No domingo acordei e tinha alguém cantando/ouvindo repetidamente uma música em algum lugar das redondezas que me fez lembrar desse clássico perdido do indie eletrônico de trezentos e noventa e oito anos atrás
Assististes todo Twin Peaks? Tens uma hora sobrando e estás com o inglês em dia?
Então por favor assista a esse vídeo da Maggie Mae Fish em que ela explica como a terceira temporada da série (que andou fazendo aniversário de 5 anos) é uma resposta às séries DE PRESTÍGIO sobre homens brancos americanos violentos e seus problemas, como Sopranos, Breaking Bad e Mad Men - da mesma forma que as duas primeiras temporadas eram uma resposta às soap operas dos anos 80 e o filme foi uma resposta a filmes de suspense do começo dos 90. E vai além, na verdade. Tudo isso com evidências.
mind = blown
Pra quem acha que o Studio Ghibli são só os longas de anime oscarizáveis e tal: eles também fizeram clipes.
Como essa trilogia aqui, encabeçada pelo Yoshiyuki Momose, no começo dos anos 2000
E o próprio Hayao Miyazaki dirigiu esse aqui, em 95, pouco antes de eles produzirem Princesa Mononoke.
É muito bom:
Ainda no âmbito de clipes em animação japoneses, agora um novo. Essa doideira surgiu como recomendação do Youtube
wHOA!!!!! PRime Day na Aamazon!!!! Que tal ver o preço de uma TV? Qual a melhor?? Que modelo escolher? Vejamos, essa aqui da LG por exemplo…
FILMMAKER MODE™
Não me ENTRA NA CABEÇA os caras venderem isso como feature quando deveria ser o padrão
Que tal um ROSQUE??? Um ROCÃO???? Stoner memo. Pesado. Duo espanhol formado pela Violeta Mosquera e pela A Coruña, mais uma recomendação certeira do amigo da newsletter, DJ e empresário Lucas Rosso
Maravilha do Sul - parte 4
(outras histórias passadas na cidade de Maravilha do Sul você pode encontrar nas seguintes edições desta newsletter: #14, #16, #17, #18, #19, #21, #22, #24, #25, #26 e #34, #39, #40 e #41. Bom, agora não tem escapatória: acabou mesmo. Quem leu leu)
Na manhã seguinte, o Coronel conversou com Antônio, que no momento cortava a grama de sua casa, e lhe passou uma série de instruções. Antônio apenas concordou.
Logo em seguida, se reuniu com seus amigos para tratar da instalação de um observatório astronômico nos arredores de Maravilha do Sul. Melquíades foi até a cidade vizinha contratar o melhor atacante do time deles. O pai da Arlete não se mexeu mais. Matias seguiu com sua vida. Como toda criança, Raul cresceu.
A sombra do Coronel cobriu Marta. Ele tapou a luz da TV com seu corpanzil e estendeu a ela um maço de cédulas.
- Agora à tarde. Você pega o primeiro ônibus pra capital. Se precisar de alguma coisa, tem meu telefone.
- Mas o q... - Marta olhou pra ele com seus olhos grandes e surpresos, sem saber o que dizer.
- Vai ser melhor. Aqui você e a criança não vão estar seguras. Acredite, vai ser melhor pra todo mundo.
*
- Meu pai é um MERDAAA! – berrou Ezequiel enquanto corria na direção do palco e voava na direção do General.
O peso de Ezequiel fez o General cair de costas no palco. Seu filho estava agarrado em seu paletó como um bicho, espumando. Ezequiel não sabia o que fazer, só sentia muita raiva. Deu um grito na cara de seu pai.
Novamente, algo despencou de cima da tenda. Só que não foi algo pequeno, como um corpo humano. Na verdade, era uma parte de um corpo. O que parecia ser um pé semi-humano, formado por algo que parecia um meio-termo entre pele humana e rochas montanhosas, cinza-amarronzado, atravessado por veias verde-neon, atravessou o teto da tenda como se ela fosse de papel. Cobriu inteiramente o palco e mais um pedaço dos balcões que fronteavam o espaço. No movimento, cobriu também tudo que estava abaixo dele. Pisou no palco e o destroçou, como se a madeira que o constituía fosse um amontoado de palitos frágeis.
O que se seguiu só poderia ser descrito como desespero generalizado.
Gritos de surpresa e horror se somaram rapidamente e o público todo da festa formou uma massa única de gente que escorreu tenda afora, espalhando-se pra todos os lados desgovernadamente. Alguns fugiam para suas casas, outros corriam apenas para sobreviver, sem saber pra onde, e no processo alguns chegaram a olhar pra cima.
Além da chuva, viram um vulto escuro que caminhava na direção de Maravilha do Sul lentamente. Tinha braços e pernas e uma cabeça como um ser humano, tinha o que era um princípio de cauda, e na altura de sua coxa houve a torre da igreja de Maravilha do Sul. Não havia mais porque ele simplesmente a derrubou com um tapa, fazendo-a voar pro meio da praça. Uma textura de veios verdes se sobressaía ao longo de toda a casca/pele daquilo, o que quer que fosse. Caminhava cidade adentro como um bebê que recém tinha aprendido a caminhar. Passou chutando casas, pisando em árvores. Atravessou os edifícios antigos com suas canelas, transformando-os em nada de um segundo para o outro. Uma criança tropeçou. Alaor a levantou do chão e levou-a no colo correndo enquanto a criança berrava. Gioconda olhou para trás, esperando ele se aproximar dela e do resto do grupo de adolescentes, enquanto corriam pro lado contrário de onde o monstro seguia.
Ezequiel e o General estavam imóveis, agarrados um no outro. Matias também estava imóvel até então, deitado no chão, tendo sido esmagado por algo que não sabia nem o que era. Sentiu uma série de dores lancinantes pelo corpo, mas principalmente nos ombros e nas pernas. Arriscou se levantar mas não conseguiu. Viu a tenda derrubada, a lona se misturando com pele e sangue humanos. Era como se tivesse acordado de um pesadelo para estar num segundo pesadelo. Viu Arlete e Santina deitadas uma ao lado da outra, ambas com as mãos em posição de reza, mais juntas do que nunca, esmagadas, com metade dos órgãos internos à mostra e com uma expressão de desespero cravada nos rostos. Ouviu novamente o urro grave e ensurdecedor vindo de cima, e olhou para a origem do som. Viu o monstro inacreditavelmente grande caminhando perdido. O bicho deu meia-volta, pisando em casas e em seres humanos como se fossem insetos. Matias conseguiu divisar uma cabeça contra as nuvens que disparavam raios e tiros d’água. O rosto parecia se projetar para a frente, como o focinho de um lagarto, mas havia algo de humano em algum lugar dali. Os olhos eram branco-esverdeados, da mesma cor da luz que saiu dos olhos de Raul quando ele foi sugado pra dentro da terra. Entre os olhos, era claramente visível uma rachadura também branco-esverdeada que poderia muito bem ser uma cicatriz.
Matias deixou seu corpo cair no chão e chorou novamente.
Um chute e o monstro levou consigo uma árvore centenária da praça da cidade, que voou por dez metros e acertou a fachada do Mercado Maravilha, pra onde Maria Antônia tinha corrido, achando que estaria segura (erroneamente). Um movimento de mão/pata e três casas com famílias dentro sumiram, deixando apenas alguns móveis e pedaços de estrutura. Enquanto se escondia, Cláudio Bandeirante só tinha olhos para o prédio da rádio. Percebeu que o monstro se aproximava do local. Estava a uma rua de distância e ele não podia fazer nada para protegê-lo. O bicho caminhou em sua lentidão, pareceu olhar para o prédio. Olhou para o térreo. Virou-se e seguiu a destruição para o outro lado sem nem sequer sujar o edifício. Cláudio respirou aliviado e começou a pensar onde estavam seus amigos. Teve a impressão de ter visto o padre Valter sendo esmagado na tenda junto com o padre Saulo e suas amigas da igreja, mas não tinha certeza. Não viu mais Borba. Infelizmente teve certeza de ter visto O’Hara ser empalado por uma estaca da tenda da festa. Pensou se havia como se manter um jornalista no meio daquilo tudo, se a antena da rádio ainda funcionava, se alguém ainda ouviria caso ele puxasse o equipamento e começasse a falar. Pensou demais e ao seu lado uma parede ruiu. Só pensou em sair correndo.
O processo todo deve ter levado menos de uma hora. Aquele ser impossível chegou, levou consigo praticamente a cidade inteira, destruiu casas, matou pessoas e desapareceu da mesma forma como surgiu.
Debaixo da pilha de carne humana da tenda, uma mão surgiu. Fez força para levantar o corpo do qual fazia parte, um corpo que tinha sorte de só estar sujo e escoriado. Era o corpo de Pedro, que olhou pros lados sem entender nada. Olho pro palco e viu Ezequiel e Matias. Foi até Matias e conferiu se ele estava bem, depois foi até o que restou do palco para tirar Ezequiel de cima do General.
Ezequiel não parecia estar muito vivo. Talvez estivesse só desmaiado, Pedro não soube dizer. Ao contrário do General, que parecia bem morto, de olhos abertos com o pedestal do microfone atravessado no peito. Pedro encontrou o braço de Ana, torto no meio da massa de sangue que tinha se tornado o público da festa de São Drogo. Torto como a realidade que via naquele momento.
Os quatro adolescentes e a criança observaram tudo, de longe. Completamente pasmos e aterrorizados, mas não sem algum tipo de satisfação – exceto por Pedro Júnior, que apenas chorava desesperado.
*
- Vai dar tudo certo. – disse o Coronel enquanto ele e seus amigos bebiam em sua casa.
Havia alguma apreensão no ar, uma indecisão, mas àquela altura todos confiavam no Coronel e em seus próprios poderes.
- É só a gente manter o segredo, cuidar de tudo bem direitinho, e isso não vai acontecer de novo. Vai continuar tudo como era.
O Coronel sorriu e todos seguiram. Brindaram.
*
Só o que tinha restado eram ruínas.
Quem estivesse vivo teria ouvido um último rugido, sem que o monstro fosse visto. Se o monstro dá um rugido e não tem ninguém para ouvi-lo, o rugido existiu mesmo?
Um homem pareceu sentir o cheiro das ruínas. Até porque já não podia ver. Cheiro de cimento, sangue, pó. Cutucou o chão cuidadosamente com sua bengala. Já não havia apenas os paralelepípedos da estrada, já não havia mais plano. Todo o chão agora era irregular, inundado de tijolos, pedaços de parede, salpicado por órgãos humanos. A bengala passeou pelos destroços seguida pelos passos trôpegos de Davi. Já tinha se acostumado com a bengala, com o chão reto da cidade. Agora teria que se acostumar de novo.
Não precisava ver, mas entendeu tudo. Foi até a praça da cidade, onde antes havia um coreto. Sentou-se sobre uma árvore caída como se fosse um trono, apoiou-se em sua bengala como se fosse um cetro, sentiu a água fina da chuva cair em seu cabelo como se fosse uma coroa. Abriu um sorriso. Ele, incólume no meio de toda a destruição, começou a rir. O riso se tornou uma gargalhada. Ecoou pelos destroços de prédios e pessoas. Se espalhou por toda Maravilha do Sul. Quem ainda estivesse na cidade, poderia ouvir, quisesse ou não.
FIM