pô esqueci de comentar: outro dia completamos 100 subscritos na newsletter!!!!!! E por isso ganhei esta imagem do Substack de presente no e-mail:
beleza mas a minha parte eu aceito em grana
no mais: obrigado a todo mundo que se dá ao trabalho de ler essas bobajada semanalmente! Meu pix é danilodoclee@gmail.com
a propósito de Ronaldinho, há um tempo atrás numa live do Rica Pancita ele lembrou dessa grande peça publicitária - supostamente dirigida pelo John Woo!!!! porra
e o Kendrick Lamar fazendo em We Cry Together…
… o que o MV Bill e a Kmila CDD fizeram há tipo vinte anos atrás em Estilo Vagabundo
ainda podemos ser felizes: a sexta temporada do Eric Andre Show sai ano que vem
essa semana prestigiamos O Peso do Talento e O Homem do Norte. São dois filmes diferentes, no caso. Não é como se O Peso do Talento fosse o nome do personagem, tipo 007 Contra Goldfinger ou Ernest Vai À África. Também não é uma dupla sertaneja.
A saber: O Peso do Talento é aquele sobre o Nicholas Cage, com o Nicholas Cage, fazendo o papel de Nicholas Cage. É uma comédia que seria muito legal em 2007. Tem uma carinha de arquivo .avi baixado no Emule. Só que com um orçamento um pouco maior. A coisa de querer misturar ficção com realidade tem seu valor, no contexto. Realmente queria ter achado mais engraçado mas as piadocas na maioria das vezes não parecem muito diferentes de qualquer coisa que vemos em filmes da Marvel. No fim é um filme sobre um homem branco de olhos azuis e sua família.
Já o Nortehomem é aquela coisa: Robert Eggers e sua estilização meio forçada do passado (particularmente preferi o que ele fez em O Farol). É muito um filme sobre rituais, sobre como eles pesam na formação do homem e tal. Não por acaso ele é bem teatral na encenação, e não por acaso ele tem um pé enterrado em Shakespeare. Mas também busca muito uma coisa muito primal, muito de macho - afinal são vikings!!! Aquela coisa. E tem uma participação da Björk, pois islandesa e o filme se passa muito na Islândia. No fim é um filme sobre um homem branco de olhos azuis e sua família.
Foda que daqui a dois meses já vai sair o remake dele.
Melquíades
(outras histórias passadas na cidade de Maravilha do Sul você pode encontrar nas seguintes edições desta newsletter: #14, #16, #17, #18, #19, #21, #22, #24, #25 e #26)
Melquíades olhou para seu relógio rachado mais uma vez, como se fosse fazer alguma diferença. O time que ele treinava, o Maravilha Futebol Clube, já estava em campo se aquecendo pro jogo, mas ele não estava preocupado com eles. Na verdade até estava, mas não apenas com eles. Era mais com o que eles iriam fazer em campo. Em outras situações, ele sabia que, quando se chega a três minutos do início do jogo, não se tem mais muito o que fazer. É dar uns pitacos aqui e ali e esperar pelo resultado, pelo menos com o time que ele tinha em mãos.
Não era o melhor Maravilha Futebol Clube da história. O Vitinho, seu principal atacante, tinha se mudado pra outro estado. Seu goleiro Rener torceu o pé num treino e estava no banco. Seu armador, Santiago, tinha se aposentado. Do lendário time que tinha sido campeão em 2003, apenas o então goleiro reserva, Mendonça, ainda joga. Mas só por insistência do Melquíades – se fosse por ele, viria no jogo só pra assistir e vender sua goiabada caseira.
Mendonça foi, como sempre, o último a entrar em campo. Sua barriga entrou primeiro e ele se arrastou em seguida, enquanto Melquíades batia palma atrás dele, incentivando-o. Mendonça percebeu um nervosismo diferente em Melquíades dessa vez. Era o jogo que poderia levar o time para as quartas-de-final da copa regional, lugar que o time não ocupa há dez anos. Todos estavam minimamente nervosos. Mas Melquíades parecia uma panela de pressão.
Ele ajeitou sua boina e tirou mais um Hilton longo da carteira amassada que trazia no bolso, com seus dedos ossudos. Botou o cigarro na boca e olhou para a arquibancada. Aquilo que, na falta de uma definição melhor, só poderia ser a torcida, já estava a postos. Era formada por um punhado de senhores de meia idade espalhados ao longo dos bancos horizontais, dispostos como se todos eles fedessem e só conseguissem sentar a uma distância de cinco metros cada. Pelo menos um deles realmente fedia. Melquíades observou os torcedores e não viu quem o preocupava. Até que viu.
Paulinho tinha acabado de chegar e logo pegou um lugar apoiando seu braço na cerca que divide o campo da arquibancada. Não estava particularmente frio mas ele usava um terno risca-de-giz preto, desgastado pelo uso. Melquíades olhou pra ele de soslaio e fez um movimento quase imperceptível com a cabeça, à guisa de cumprimento. Paulinho retribuiu e não notou Melquíades analisando a roupa dele à procura de qualquer tipo de arma. O medo de Melquíades era o que poderia acontecer com ele caso o Maravilha Futebol Clube perdesse e consequentemente ele não recebesse o dinheiro de aposta que precisava para pagar Paulinho.
Melquíades se imaginou correndo em disparada em caso de derrota, entrando em seu carro e só parando quando chegasse na casa de seu primo na Argentina, onde ele viveria por pelo menos um ano, se casaria, mudaria de nome, deixaria o bigode crescer, rasparia o cabelo e usaria um tapa-olho. Ou então Paulinho o alcançaria antes de chegar no carro e usaria sua cabeça para abrir um buraco no vidro do carro, depois arremessaria seu corpo no chão como alguém que joga um pacote de um quilo de gelo no chão para quebrar os cilindros congelados em pedaços menores. Caso sobrevivesse, Paulinho provavelmente o enterraria vivo, já que é o dono da Funerária & Pizzaria do Paulinho.
O que interrompeu o fluxo de pensamento de Melquíades foi o apito do juiz dando início ao jogo contra o Dona Cecília Esporte Clube.
- Bora! Bora lá! – gritou Melquíades de forma meio torta, com o cigarro na boca, enquanto batia palmas.
Aconteceu o seguinte:
3’ – primeiro chute a gol do Maravilha. O atacante Andrezão chutou bem pra fora.
10’ – num contra-ataque, o meio-campo do Dona Cecília driblou toda a zaga e acertou a rede pelo lado de fora. Mendonça reagiu dando um pulinho, ao que Melquíades por sua vez reagiu com um grito furioso.
11’ – o mesmo meio-campo roubou a bola de um zagueiro do Maravilha após Mendonça cobrar o tiro de meta. Chutou no canto direito de Mendonça e decretou um a zero no placar.
- Putaquepariu, Mendonça! – Melquíades girava desesperado e jogava sua boina no chão.
Paulinho percebeu a reação de Melquíades, achou engraçado mas não riu.
22’ – escanteio para o Maravilha. O zagueiro cobrou e Andrezão chutou. Pra fora. Melquíades berrou com ele, jogou um cigarro na grama e pisou em cima.
28’ – lançamento na área do Maravilha. A bola alta fez Mendonça sair da pequena área e saltar junto com o atacante do Dona Cecília. O atacante foi inesperadamente atingido pela pança de Mendonça enquanto este agarrava a bola com firmeza.
35’ – Andrezão correu pela lateral do campo do Dona Cecília, cruzou na área mas seu parceiro não entendeu a jogada e foi apenas tiro de meta para o time adversário.
40’ – falta para o Dona Cecília, a alguns metros da área. Mendonça organizou a barreira com cuidado porque sabia que quem iria cobrar era o lateral direito deles, conhecido pelo poder de fogo de sua perna direita. O juiz apitou. Mendonça respirou fundo. O lateral saiu correndo e encheu o pé. A bola pareceu sair da marca da falta numa reta perfeita, como uma bala acertando o alvo – que no caso foi a trave de Mendonça. Ele nem sequer se mexeu.
47’ – fim do primeiro tempo.
O Maravilha se reuniu no vestiário. Melquíades berrava com seus jogadores, cobrando deles, mesmo sabendo que não tinha muito o que fazer. Mas ele ainda era o técnico, e sua voz ainda tinha que ser ouvida. Deixou eles discutindo o jogo entre si, foi até a porta do vestiário fumar outro cigarro e levou um susto quando uma mão gigante lhe ofereceu fogo. Era a mão do General.
- Não tá fácil a situação, hein. – disse o General com sua voz que parecia vinda de uma caverna.
- Tu não faz ideia. – soprou fumaça. – Bem que tu poderia me ajudar né.
- As inscrições de jogadores já acabaram e a minha direita não é mais aquela, só funciona nos jogos dos veteranos mesmo.
- Não com o jogo, pô. – aproximou seu rosto do General. - Com outros problemas que eu tenho aí.
- Não, Melquíades. A minha promessa se mantém, eu não vou mais te emprestar dinheiro nem te ajudar com nada. Não até você aprender a lidar com seus próprios problemas.
- Blá blá blá, sempre esse papo de vocês.
- Bom jogo pra vocês, Melquíades. – disse o General, já se encaminhando de volta para a arquibancada. – Aliás, eu apostei no Dona Cecília.
- Pau no cu do caralho. – sussurrou Melquíades olhando pro homem enorme que dava as costas pra ele.
Melquíades até fez uma substituição, colocou um jovem lateral esquerdo como se fosse fazer alguma diferença. O juiz apitou o início do segundo tempo, dando um susto em Mendonça.
5’ – Andrezão chutou pra fora.
8’ – escanteio para o Maravilha. O jovem lateral esquerdo cobrou e de alguma forma a bola foi parar no campo do próprio Maravilha. Melquíades ficou pensando em como aquilo poderia ter ocorrido.
11’ – Andrezão chutou pra fora.
14’ – contra-ataque do Dona Cecília. Os dois atacantes armaram uma tabelinha na direção da área adversária fazendo a zaga se perder como se estivesse presa em um enorme novelo de movimentos e então um deles chutou. A meio metro de altura de Mendonça, ele viu a bola chegar e esticou o braço pra acertar um tapa nela. Todos se surpreenderam.
14’ – escanteio para o Dona Cecília. A bola caiu na área e um confiante Mendonça subiu no meio de todo mundo dando um soco na bola e ela sobrou para Andrezão, que partiu em disparada para o campo adversário.
Melquíades sorriu. Talvez ainda houvesse alguma esperança.
15’ – Andrezão passou a bola para o jovem lateral esquerdo, que sem querer driblou um zagueiro adversário. A bola surgiu na frente dele e sua única reação foi passar de novo para Andrezão, que nem dominou a bola para chutá-la, na entrada da grande área. A bola se arrastou baixinha no canto esquerdo do goleiro, acertou a trave e então entrou. Melquíades deu um berro e esticou os braços. Acendeu um cigarro comemorativo.
18’ – o Dona Cecília voltou furioso. Um atacante chutou com força quase do meio do campo mas a bola foi pra fora.
20’ – novo ataque do Dona Cecília. Nova bola pra fora.
22’ – Andrezão chutou pra fora.
26’ – o meio-campo do Dona Cecília tentou sair driblando todo mundo mas o jovem lateral esquerdo foi pra cima dele com o ombro. O juiz considerou parte do jogo e não marcou falta.
28’ – Mendonça encaixou a bola na ponta da pequena área para cobrar um tiro de meta. Foi correr na direção dela quando se desequilibrou. Só que dessa vez não foi sozinho e não foi só ele que se desequilibrou. A bola andou, umas quatro ou cinco pessoas caíram no chão. A terra estava tremendo.
Tremeu por cerca cinco segundos, então parou. Todos conferiram se estava tudo certo. Todos estando razoavelmente bem, o juiz apitou para prosseguir com a partida. Quando a bola estava para cair aos pés de Andrezão, aconteceu de novo. Veio com um tremor igual ao de antes mas rapidamente evoluiu para algo mais forte. Uma parte da arquibancada de metal entortou e uma das traves, que estava apenas apoiada no chão, caiu em cima da pequena área do Maravilha. A cerca quadriculada envergou. Alguns tentaram sair correndo, outros agacharam-se, outros se ajoelharam rezando. O General observou tudo de braços cruzados mas sem esconder sua preocupação.
E o tremor parou, do nada, como começou. Aos poucos a maioria dos homens foi se levantando, voltando a si. Melquíades pegou de volta sua boina, enquanto se apoiava nos joelhos para reerguer-se. Mendonça vomitava. Andrezão correu para a bola, querendo voltar ao jogo. Melquíades percebeu o juiz andando na direção dele, e sua reação brotou automaticamente.
- Ei! – berrou ele, entrando em campo, se dirigindo ao juiz. – Não tem mais como ter jogo agora! Olha só essa situação!
Melquíades ouviu protestos do time adversário. O peito de alguém encostou em seu ombro, uma outra mão tentou lhe puxar. Melquíades olhou para o juiz. Olhou para os olhos dele. Olhou no fundo da alma dele.
- Olha essa merda aqui. Olha o meu goleiro. Tem que anular esse jogo. Não tem como continuar.
- Tem sim! A gente já tá melhorando. – disse o meio-campo do Dona Cecília.
- Melhorando? Cala a boca, seu idiota. Não tem a menor condição de esse jogo continuar.
- Vamo continuar sim, porra!
Melquíades quase encostou seu nariz pontudo na cara do juiz. Viu seu reflexo nos olhos do juiz.
O juiz inventou um movimento de “xis” com as mãos e apitou com força duas vezes.
- Jogo anulado. – anunciou.
Os jogadores do Dona Cecília partiram para uma pouco amistosa discussão pra cima do juiz, enquanto Melquíades parou, respirou fundo e botou sua boina no peito. Olhou para o canto da arquibancada, onde estava Paulinho.
Paulinho devolveu o olhar, de braços cruzados. Deu meia-volta e foi até seu carro. Melquíades acendeu o último cigarro de sua carteira e saiu do campo sem pressa.