“Por que ninhos de pombo são tão merda”
E eu que vi o primeiro filme pra cinema dirigido pelo Takashi Miike, diretor japonês que faz 968 filmes por ano e que fez coisas como Visitor Q, Ichi The Killer e particularmente The Bird People In China, que é um filme que eu vi faz uns dois anos mas que ficou cravado na minha memória e de vez em quando alguma imagem dele me salta. É bonito demais.
Bom, mas aqui é meio que o oposto disso.
Pra variar, é uma doideira. Meio power fantasy adolescente otaku (não por acaso é baseado num mangá), um festival de violência, sexo e gente pau no cu sendo pau no cu. Pra todos os lados. Yakuza, vingança sobre vingança sobre vingança, pais que matam filhos, crianças assassinas, uma menina que atira dardos pela buceta. E tudo isso muito bem filmado.
Tem no Youtube só que, fica o aviso, só com legenda em inglês e não tá nem em HD. Mas vale a experiência.
Duas sonzeiras aleatórias:
a nova do Crimewave
e uma velha do PÃO SECO. Saca essa percussão
Maravilha do Sul - parte 3
(outras histórias passadas na cidade de Maravilha do Sul você pode encontrar nas seguintes edições desta newsletter: #14, #16, #17, #18, #19, #21, #22, #24, #25, #26 e #34, #39 e #40. Tá quase acabando. Leia tudo agora ou arrependa-se para sempre. Ou, provavelmente: não)
- CALMA! – berrou o Coronel. – Vamos todos ficar calmos.
- Como é que tu espera que eu fique calmo? Porra. – gritou Matias. – O meu filho acabou de ser sugado pela terra! Alguém precisa fazer alguma coisa.
- Nós vamos fazer. O Borba já foi ali no vizinho ver se ele tem uma pá, está tudo certo. Nós vamos te ajudar.
- Meu filho, vamos rezar um pai-nosso pra... – tentou o padre Valter.
- Rezar não vai trazer o meu filho de volta. – Matias respirou fundo e um estalo de resignação surgiu em sua mente. – Acho que nada vai trazer meu filho de volta.
Ninguém soube o que dizer. No meio da escuridão do momento, um pequeno facho de luz surgiu no ponto onde Matias estava ajoelhado. Ele rapidamente tratou de se arrastar para trás e o facho ficou mais forte ao mesmo tempo em que um pequeno buraco apareceu, como se a terra tivesse dado permissão para que algo aparecesse diante de Matias.
Era o corpo de Raul, sujo de terra e sangue, com sua roupa em frangalhos, sua pele queimada, seu rosto em carne viva e com um par de brilhos esverdeados no lugar dos olhos. Ele surgia com a boca aberta, cheia de terra, e olhava diretamente para seu pai. Matias arregalou os olhos.
- Eu vou voltar! – disse Raul, com uma voz que era a dele mas que parecia alterada, profunda e não-humana. – Vai ter outro meteoro. Eu vou voltar, paaaa...
Antes que ele pudesse falar a última letra de “pai”, a terra o sugou de volta em um segundo, num movimento único e quase imperceptível de sucção.
Por alguns segundos não aconteceu nada e não se ouviu nada além de silêncio.
O padre Valter fez o sinal da cruz. Melquíades levou sua boina ao peito.
Matias olhava para a terra, que não retribuía o olhar.
- Valter... ele foi pro inferno? – perguntou o prefeito O’Hara.
- Espero que não. – disse o padre.
- É... – disse Melquíades. – Se contar, ninguém vai acreditar.
Silêncio.
- Por isso que ninguém vai contar. – disse o Coronel.
Cláudio olhou pra ele, estranhando.
- Como assim? – disse Melquíades. – É um troço muito grande pra...
- É um troço muito grande pras pessoas saberem, se assustarem, ficarem loucas. – interrompeu o Coronel. – É muito perigoso. E se começa a vir polícia, jornalista, sabe lá que outro tipo de gente louca vinda de fora? Quem vai aguentar Maravilha do Sul desse jeito?
Ninguém falou nada.
- Por isso que isso que aconteceu não pode sair daqui. Não. Pode.
Todos concordaram com a cabeça - exceto por Matias, ainda paralisado, e por Melquíades, que estava acendendo um cigarro.
- O que tu me dá pra eu não abrir a boca? – perguntou depois de sobrar fumaça.
- Como é que é? – disse o Coronel enquanto se aproximava dele.
- Só saio dessa ganhando alguma coisa. Senão, não tem motivo nenhum pra eu ficar quieto.
O Coronel balançou a cabeça negativamente, sem acreditar no que ouvia.
- Oh! Já sei. Vocês patrocinam o Maravilha Futebol Clube, e tá tudo certo.
O Coronel olhou para seus amigos, e todos pareceram achar uma proposta razoável.
- Tá bom. Foda-se. Patrocinamos.
Melquíades soprou a fumaça do cigarro mais uma vez e sorriu. O Coronel se aproximou de Matias, que seguia ajoelhado, o rosto encharcado.
- E tu, Matias? Vai querer alguma coisa também?
*
Matias tinha tirado força não sabia de onde mas percebia que estava chegando cada vez mais perto da cidade. Ouvia o teclado de Calculadora tocando “Anunciação” lá na festa, e já não se preocupava em estar em sua verdadeira pele (sua roupa de pelos artificiais azuis, a essa altura com as pernas marrons de lama). Estava cansado de tudo que tinha passado.
Alaor deu um ligeiro gole de uma garrafa de Coca 600ml e depois fez algo que não fazia há muito tempo e que tinha saudade de fazer: ofereceu-a para sua amiga Sabrina. Ela negou. Ele aproximou o rosto do ouvido dela e disse:
- Tem cachaça.
Ela arregalou os olhos, pegou a garrafa dele e tomou um gole, depois passou-a para Pedro Júnior, que bebericou sem pensar e fez uma careta ao perceber que o refrigerante estava batizado. Gioconda arrancou o plástico da mão dele e deu um golaço, tampou a garrafa e jogou-a de volta para Alaor. Era a primeira vez que se reuniam fora da escola desde todo o lance do laboratório, e só estavam juntos porque seus pais estavam por perto, e sob o juramento de não iriam sair da tenda da festa nem fazer nada de errado. Pareciam apenas um grupo de crianças inocentes num canto próximo ao palco. Quem os olhasse, poderia imaginar que tinham feito algo fora das regras, só não sabia dizer o quê.
Cláudio Bandeirante tomou o palco e iniciou a cerimônia de abertura da Festa de São Drogo. Deu boa noite a todos, saudou as autoridades presentes, chamou o padre Saulo para abençoar a festa (tocou um “Pai-Nosso” versão emo em sua guitarra). Passou a palavra para o prefeito, para o padre Valter, e então para o General. O homenzarrão subiu no palco e levantou o microfone para ficar próximo à sua boca, olhou para a tenda lotada, sentiu uma ligeira vergonha e começou o discurso:
- Boa noite a todos. – fez uma pausa. - Eu vou ser breve, sei que estamos todos aqui pela festa e pra ouvir o Calculadora tocar o baile. – abriu um sorriso e olhou para Calculadora, que não retribuiu. – Mas quero agradecer a todos pela recepção. Não é sempre que eu consigo vir pra cá, e ver toda Maravilha do Sul reunida aqui, segura, comemorando, é sempre motivo de muita alegria pra mim. Fiquem sabendo que, embora não pareça, eu estou sempre de olho na cidade, cuidando de todo mundo, para o bem de todos, para que tudo se mantenha na mais perfeita paz, como sempre foi e como sempre será aqui em Maravilha do Sul.
Uma pessoa despencou de um rasgo no teto da tenda, acertou a quina do palco com um baque e depois deu com as costas no chão. Gemidos de susto se seguiram. Vieram então as expressões de horror e surpresa, quando sem pressa ergueu-se do chão Matias, com sua roupa azul encharcada de lama e envolta de mato. Ninguém entendeu nada. Matias olhou para o General. O General devolveu o olhar com um misto de espanto e fúria.
O delegado Borba, que até então estava no meio da tenda, apressou-se tentando nadar a braçadas no meio do mar de gente.
- Esse homem... – disse Matias, com a voz desafinada, o dedo indicador apontando para o General.
Borba travou no meio do caminho porque duas pessoas em específico pareciam atrapalhar sua passagem, impedindo-o de chegar até o palco. Eram Pedro e Ana, um ao lado do outro. Em algum momento, o delegado irrompeu entre eles e depois eles abriram um sorriso secreto.
- Esse homem me prendeu, e fez experimentos científicos comigo.
Pulularam pela tenda interjeições de surpresa e algumas risadas. Incluindo uma vinda do General.
- Minha gente... – disse ele. – Olhem esse homem.
- Não só comigo! – berrou Matias. – Tem um laboratório aqui perto da cidade. Tem alguma coisa lá. Eles não contam pra ninguém.
- Cala a boca, Matias. – disse Cláudio com sua voz autoritária e grave.
- Cala a boca você, seu merda. – disse Matias.
E no exato momento em que ele falou isso, um raio atravessou o céu escuro de Maravilha do Sul. Rapidamente, um trovão poderoso o seguiu, pontuando-o como se o raio fosse uma assinatura de Matias.
- Não só ele. O Cláudio também tá envolvido, o padre Valter, o Borba. Toda essa gente. Um meteoro caiu nessa cidade há vinte anos atrás e ninguém sabe disso. O meu filho foi atingido pelo meteoro e ninguém sabe disso por que eles não deixam.
O General deu uma risada que dominou as caixas de som da festa.
- Matias, pelo amor de deus...
Sem que precisasse pedir, o General viu Borba agarrar os braços de o Matias e colocá-lo de joelhos.
- Chega desse showzinho.
- Ele tá certo.
Todos os olhares se voltaram para o canto do palco, à frente do paredão, onde quatro adolescentes observavam tudo de camarote. À frente deles, Sabrina deu alguns passos na direção de Matias.
- A gente viu esse laboratório, ele existe mesmo.
Algumas pessoas falaram “oh!”. Pedro Júnior se escondeu atrás de Gioconda.
- E esse homem tava lá, cuidando de tudo. – ela apontou para o General, que olhou de volta com os olhos em chamas.
- Tinha um meteoro verde caído lá também. – ajudou Alaor.
No meio do plateia, Maria Antônia arregalou os olhos e soltou um gemido.
- Sim! – disse ela. – Era isso então! Eu vi ele caindo.
A três metros dela, Pedro lhe fez uma careta.
- Por que tu não me contou? – disse. Ela só deu de ombros.
- Tá bom, tá bom. – disse o General. – Chega dessa baboseira. A gente tem uma festa pra começar.
- Não chega não. – berrou uma voz vinda do bar. Márcia apontava um dedo acusador ao General. – Por que tu não contou pro tal do Ezequiel que tu é pai dele?
A plateia fez “ooohh!”. Os olhos de Ezequiel quase saltaram de tão arregalados e sua boca se abriu sozinha.
- Márcia, é óbvio que eu não sou pai dele...
- É sim. – disse Pedro. – Ele é teu filho com a Marta.
- A Boaventura?! – perguntou Maria Antônia.
- Isso. Mas ele mandou o falecido Toninho assumir a criança.
- Meu pai é um merda. – disse Ezequiel pra si mesmo.
Raios estouraram sua luz novamente.
- CHEGA! – berrou o general no microfone. – Tudo que a gente fez foi pelo bem de todos. Todos! – apontou para a massa de pessoas à sua frente. – A gente só quis proteger vocês. Porra. Queriam que acontecesse o quê? A gente falasse pra todo mundo que um meteoro tinha caído aqui e que outro iria cair novamente e criássemos um estado de medo generalizado? Eu nunca iria permitir isso. Seus mal-agradecidos do caralho.
A plateia fez um “oh!” em uníssono.
- Que bom, agora. Todo mundo sabe o que aconteceu, e agora a história vai se espalhar. Em vez de ficarmos aqui no nosso canto, protegidos, a cidade vai se encher de gente querendo saber mais sobre o que aconteceu. O nosso sossego vai acabar. O sossego de vocês vai acabar. Em vez de deixar a gente cuidar de vocês. Estávamos todos muito melhor antes disso tudo.
Por alguns segundos, só não houve silêncio porque uma chuva fina começou a chiar sobre a tenda.
O ruído da chuva foi destruído por um som que fez a tenda tremer. Um rugido grave e assustador, um grito primal que parecia misturar o som de algum animal gigante com o berro desesperado e gutural de um ser humano.
Analisando tudo da entrada da tenda, Melquíades viu algo que fez seu cigarro cair da boca. Ele olhou para cima, para além da tenda. Algo se aproximava da festa. Algo que ostentava uma silhueta enorme contra os raios que caíam junto com a chuva.
Continua…