“Verde Brat: A improvável cor de 2024”
Você quer dizer verde Não Sei Desenhar? Obrigado Charlie XCX pela divulgação, é muito bom saber que temos leitoras nesse nível de fama e influência. Por favor continue assim.
Flor Seca, do Masahiro Shinoda, pode parecer um filme de yakuza meio comum pra época - e filmes do gênero não faltavam. Tem uns clássicos do Seijun Suzuki, como Youth of the Beast e principalmente o gigante Tokyo Drifter. Aqui o Shinoda tá mais interessado em outras coisas porém ele mantém algo que parecia ser bem comum à época: o refinamento da fotografia, os enquadramentos escolhidos a dedo, o uso impactante do widescreen.
Só que tudo isso, no caso, se encontra numa história menor em escopo. Gângster volta da cadeia três anos depois de matar um cara de outra gangue, pra descobrir uma Tóquio diferente da que ele conhecia, e mesmo uma yakuza diferente. Agora existe uma certa paz reinando, tudo é resolvido pelos grandões da máfia japonesa local. Ele se torna automaticamente deslocado da situação, um tanto perdido - nesse sentido as cenas dele caminhando acabam lembrando até de São Paulo Sociedade Anônima, do qual falei por aqui esses dias.
O grande lance é a relação dele com uma menina que vai apostar na casa em que ele trabalha, e ela é quase como o oposto dele: jovem, sem preocupações. Ela sempre joga alto, bota tudo a perder, só tá atrás de mais emoções e descobertas, enquanto ele parece que já passou por aquilo tudo e meio que não aguenta mais a situação. Eles começam a ter uma relação, não exatamente romântica, mas em que um complementa o outro. Ela que não se importa em perder nada, ele que já perdeu tudo e, quando teve sua vida de volta, não gostou do que viu. O cara meio que trata como filha ou interesse romântico, mas nada se consuma propriamente. Ele até tem uma amante, mas não parece se importar muito com ela. As grandes questões do filme se dão na relação dos dois e, incidentalmente, com um outro jovem, um gurizão que quer vingar o cara que ele matou três anos atrás. Mas mesmo ele acaba se tornando amigo do protagonista, numa inversão muito interessante. É meio que como se essa galera jovem, em especial a menina, fossem o último respiro de vida de verdade nele. À mercê dos poderosos, o que lhe resta é tentar aproveitar a vida, ainda que de um jeito torto, através da visão inocente da menina. Ela, por sua vez, tá sempre buscando experiências novas, e se afundando cada vez mais nisso. O afastamento dele em relação a ela é quase uma forma de ele não querer que ela acabe que nem ele.
Talvez tenha ainda mais coisa pra se falar sobre esse filme mas se pans não sou eu que vou falar não. Apesar de simples, ele vai pra caminhos muito interessantes e, como eu disse, com uma visão afiadíssima do Shinoda - porra, aquela cena de assassinato no final do filme? Foda demais (tem aqui no Youtube mas né, é uma cena do final do filme. Não sei se é beeeem spoiler mas fica o aviso. Exige um contexto pra captar as nuances mas por si só já vale). Sem contar que é um dos filmes preferidos do Michael Mann, o que fala muito sobre a visão dele sobre seus protagonistas.
Tem no Drive do Shin Filmes. A legenda tá meio mal traduzida mas tudo certo.
A nova do Sampha, com participação da Little Simz, tá bem legal - e o clipe idem
Por falar nela, como é que ninguém me avisa que ela lançou um EP/álbum novo em fevereiro? Porra. E é uma sonzeira, o som dela continua de altíssimo nível. A grande diferença é que aqui as bases são todas eletrônicas e ela pega coisas de vários gêneros de música eletrônica mais periférica - de gqom a algo de drum’n’bass e tem até um funk carioca, com direito a estrofe em português. É a braba.
Saiu novo do Brijean também, indie-eletrônico-pop assim bem simpático.
pra quem quer um emo roots, post-hardcorança, tem o do Hot Snakes, projeto paralelo de caras do Rocket From The Crypt e Drive Like Jehu, lá do ano 2000
Alguém aqui jogou Kid Chameleon?
Aquele jogo de Mega Drive. Na época também conhecido pelos jovens imberber de Kid Chamelhão. É um jogo de plataforma que tem tudo pra ser um Super Mario da Sega (foi lançado antes de Sonic), só que pretensamente mais COOL e EDGY, na medida do possível. Tiozinho bigodudo que entra em canos e entra em castelinhos? Que tal um moleque de JAQUETA DE COURO e ÓCULOS ESCURO que dá CAMBALHOTAS e entra num FLIPERAMA VIRTUAL chamado Wild Side? E que ainda faz referências a SAMURAIS, SKATE, TANQUES e JASON VORHEES? Porra. A Sega realmente faz o que a Nintendonão. Aqui ainda tem as fases de neve, floresta, deserto, mas é tudo mais misterioso e estranho. É uma das graças do jogo: nada da mitologia do jogo é explicada, o moleque sequer é apresentado com um nome que não a alcunha “Kid Chameleon”, a única possível pista é uma imagem que aparece quando se entra em um tipo de fase em que tem o nome “Kevin” cravado na pedra.
Tudo tem esse mistério muito particular, e acrescentava ao mistério do jogo o fato de ele ter 103 fases e não ter mapa e nem nenhum jeito de salvar, como password ou o que quer que seja. E frequentemente as fases tinham mais de uma saída, então a sensação de se perder naquele mundo ficava ainda mais latente - e as fases vão ficando, claro, cada vez mais ameaçadoras.
O que também é um mistério é o processo de criação do jogo: cadê um vídeo do Gaming Historian sobre ele? Eu queria muito entender quais foram as ideias que levaram ao jogo ser como ele é. Ao que parece o cabeça por trás de tudo era o Mark Cerny, que depois foi trabalhar em Crash Bandicoot e Spiro the Dragon e etc e no Youtube tem o vídeo-portfolio de um dos designers.
Eu não sei mais porque me lembrei desse jogo (talvez tenha a ver com o fato de que agora eu fico com frequência de frente pro pôster que eu tenho dele no escritório e que eu peguei de uma revista SuperGame da época) mas enfim. A trilha no geral é bem boa - e a música de abertura frequentemente assombra meus pensamentos.
Dá pra arriscar jogar de graça no Internet Archive.
(O conteúdo a seguir está sendo publicado apenas por força de contrato. Se quiser terminar de ler a newsletter aqui, fique à vontade. Nas últimas edições temos sido obrigados a postar esta publi completamente ridícula, mas é isso ou pagar a indenização - e aqui a gente não tem dinheiro pra porra nenhuma. Enfim)
Toda saga exageradamente épica precisa de um local mágico onde se passar! Esta é a vila onde a história começa, e onde mora nosso valoroso herói. Um lugarejo do lado do mar e que provavelmente esconde muitos perigos? Eu diria que não.