Te dou um dado? Essa é a edição de aniversário de 3 anos da newsletter. A quem interessa este dado? É um mistério.
A real é que muitas vezes nesse último ano, talvez isso tenha até ficado claro pra vocês, eu entrei meio que num ritmo automático. Não é que eu não goste de escrever mais, muito pelo contrário. A newsletter ainda me ajuda a falar das coisas que eu gosto, me faz pensar sobre o que eu vi/ouvi/li/joguei, o que é um dos principais motivos pelos quais eu ainda escrevo sobre essas coisas. Mas eu sinto que algo se perdeu pelo caminho. Parece que escrever coisas interessantes aqui se tornou uma exigência que eu mesmo não consigo cumprir (eu cobrando a mim mesmo? Imagine, de jeito nenhum). É claro que é parte do exercício de se “obrigar” a postar semanalmente lidar com as imperfeições, perceber que nem sempre se tem um insight legal sobre um filme, muito menos alguma ideia engraçada pra jogar. Cada vez mais isso acaba virando um fardo.
Acho que é um caso de burnout da newsletter. Uma parada que era pra ser uma diversão e um exercício pra mim parece que vira só quase que só mais uma obrigação. A inventividade que eu gostaria de trazer ficou lá atrás sabe lá onde. Eu boto a culpa, em parte, nas férias prolongadas que eu tirei da própria newsletter: tenho a sensação de que deveria ter voltado uma semana antes e esse tropeço gerou um erro no timing todo da coisa e a newsletter agora não cumpre mais sua função direito.
O que não quer dizer que esse último ano seja de se jogar fora, claro. Talvez alguns de vocês tenham percebido que eu estou desenhando - voltei a fazê-lo depois de sei lá quanto tempo, de novo, mas agora a sensação é de que eu voltei de vez. Não que agora eu saiba desenhar. Quando isso acontecer, a newsletter vai se chamar “Já Sei Desenhar”, numa referência a uma das canções mais pentelhas da música popular brasileira. Eu ainda tenho ideias em relação a isso, coisas virão no futuro (isso é uma ameaça). Além disso, pras três ou quatro pessoas a quem isso possa interessar, a terceira e última temporada da Dungeon Espiral tá vindo aí em breve e eu tô empolgado com o resultado. Tem a história da Lucy seguindo ainda, inclusive obrigado pra todo mundo que lê e vota.
Não é que não existam motivos pra comemorar nesses três anos, muito pelo contrário. É que tem uma sujeira que talvez só precise ser espanada, polida e envernizada. Talvez não agora. Talvez repensar coisas sobre a newsletter - CERTA FEITA eu fiz uma enquete e ganhou a possibilidade de eu torná-la quinzenal, e eu só não fiz isso justamente por causa do lance do exercício de escrita. Alguma movimentação há de ser feita aí nesse sentido, só não sei qual movimentação e em qual sentido.
YAY DIVERSÃO E COMEMORAÇÃO
agora seguimos com nossa programação normal
Quer saber de onde o Spielberg tirou seu jeito de filmar? Veja O Segredo das Joias, do John Huston (Asphalt Jungle, de 1950). A essência da mise-en-scene dele tá lá: os planos longos (os oners), pouco plano-contraplano, o foco nos dramas humanos, os enquadramentos… enfim.
É um filme meio noir de assalto, um dos embriões do gênero “juntando uma galera pra fazer um assaltaço”. O lance é que aqui o assalto se dá (spoiler???) no meio do filme, e as consequências dele acabam sendo importantes também. Me lembrou o Ocean’s Eleven original inclusive, só que bom.
Meio que quase ninguém presta. A narrativa interliga uma rede de fudidos numa cidade corrompida (diria até que é uma selva de asfalto…). O destino deles meio que tá selado desde o começo. Tem algo de tragédia no arco todo, principalmente do personagem do Sterling Hayden. A fotografia faz questão de frisar com alguma frequência a imponência da cidade ou dos céus sobre os personagens.
Huston sabia exatamente onde não cortar, ou mesmo onde não mostrar o rosto de um personagem - ainda que ele esteja em close. Apesar de cheio de diálogo, o filme nunca é repetitivo na forma de filmar. Tem um certo distanciamento porque em dado momento ele passa a mostrar um pouco lado o lado da polícia na situação, mas eu tenho a impressão de que tem uma ironia nisso, mais pro final. Me parece que tem algo de uma influência do neo-realismo italiano também.
O Joelho de Porco é uma das bandas brasileiras pouco lembradas pela galera mas que vale conferir. O principal álbum deles é o 1976 e - trivia! - um dos poucos discos de vinil que eu possuo. Tá no Spotify e tá todo zoado (o nome tá errado, tem música com nome trocado) mas vale a pena ainda. É roque setentista com uma vibe zoeira e crítica, com umas misturas de ritmos aqui e ali, e traz clássicos como Mardito Fiapo de Manga e Aeroporto de Congonhas.
Aqui eles ao vivo na TV - detalhe pros trajes do caras na época.
Em algum momento houve uma mudança de componentes na banda, antes encabeçada só pelo Tico Terpins e pelo Próspero Albanese (um dos melhores nomes de qualquer pessoa no mundo). Nos anos 80 o Zé Rodrix entra e eles gravam um álbum novo. Segue aqui um vídeo deles no auge do Perdidos na Noite (o Faustão na Band original), cantando Funiculi Funiculá numa versão roque quando isso ainda era passível de ser uma coisa:
(a graça maior do vídeo é depois que a música acaba, esses momentos do Perdidos eram sempre muito bons)
Em notas mais recentes: o novo do duo Magdalena Bay tá bem bom, indie pop gostosinho que às vezes puxa pra uma esquisitice.
E aí que no meio da invasão russa à Ucrânia, um jovem chamado Alex Yatsun cria um subgênero que parece englobar com clareza o sentimento local: o dungeon rap. Pegando elementos do dungeon synth (originalmente um fruto do metal eletrônico), Memphis rap a la Three Six Mafia e outras sonoridades mais sujas, tem pelo menos três álbuns lançados sob vários pseudônimos.
(de acordo com o resultado da última enquete…)
O corpo esguio de Lucy entra pelo duto de ventilação não sem dificuldade. O espaço é mais claustrofóbico do que ela tinha planejado. O tecido meio plastificado de seu uniforme raspa pelo metal do duto quando ela força seu corpo pra frente com os braços. A cada saída de ar que encontra, ela para para observar se há alguma movimentação. Presta atenção nos sons, possíveis respirações, passos. Nada.
O mapa do seu radar portátil é o seu único guia. O transmissor de sua chefe segue firme no estoque de alimentos.
E o que ela mais estranha é a completa ausência de quem quer que seja nos corredores. Não há uma movimentação diferente neles ao longo de todos os minutos que ela levou para chegar até o estoque.
Não há, inclusive, nenhuma movimentação no estoque. Lucy desce do duto de ventilação até o cômodo apertado, caindo por cima de caixas, seguindo desesperadamente o ponto no radar do mapa.
Para encontrar o transmissor solitário, jogado num canto, desgarrado do uniforme de sua chefe, funcionando perfeitamente.
Agora Lucy se assusta.