POMBO
POMBO
outro som bem válido essa semana é o álbum novo do Special Interest, um som que passeia pelo disco-punk e pelo electroclash, às vezes mais cantante e dançante e às vezes mais sujo e às vezes tudo junto
RIP Gal :(
um dia essa piada vai emplacar
Tem um filme chamado Uma Página de Loucura: é um filme japonês mudo de 1926 mas que parece ter sido feito no mínimo nos anos 80. As pirações visuais, a foto altamente contrastada e o clima tenso do hospital psiquiátrico onde o filme se passa me dão a impressão de ter influenciado muita gente que veio depois. Tem enquadramentos e ideias ali que eu tenho muito a impressão de ter visto em Evangelion (1995). É cinema de criação e invenção, a história é provavelmente só uma desculpa pra todo o resto.
Eu vi no Mubi mas também tem no Youtube:
E ainda no mesmo clima de boinha: no Star+ saiu um chamado Noites Brutais (Barbarian), terror bem honesto que vai pra uns caminhos inesperados então eu nem vou falar nada sobre a história. Quanto menos se souber, melhor.
NO EPISÓDIO ANTERIOR: vocês acreditam se eu disser que no futuro, depois de algum apocalipse de causas ignoradas, o mundo meio que virou uma distopia medieval-fantástica? E que existe em algum lugar uma masmorra (ou “dungeon” como a galera gosta de dizer) tão absurdamente grande que as pessoas simplesmente moram lá dentro? E que, mais ainda, existe um mercadão logo na entrada? Pois é. E o nosso amigo Valdir se enfiou nela pra resgatar a esposa dele sequestrada por um maluco aí, ao lado do seu fiel escudeiro Herivelto. Só que, claro, a treta se avizinha, porque é claro que sim.
Esse pessoal não tem mais o que inventar né.
Prossiga por sua conta e risco.
s01e02: quem cuida da segurança de vocês?
O Iacusa tosse. E tosse. E tosse mais um pouco, até ficar vermelho. Os outros ficam olhando pra ele.
Ele pigarreia e finalmente diz que está tudo bem. Ajeita o nó da gravata.
— Desculpa, Iussuque. — diz Jadson. — Mas não é nada disso que…
O dedo do Iacusa em riste manda Jadson ficar quieto e assim ele o faz. Herivelto diz:
— Olha, a gente não veio aqui pra ser segurança de… — Iussuque aponta a mão com o dedo em riste para ele. — Que dedinho o quê. O que tu quer com esse dedinho. Enfia esse dedo no cu.
— Ei! — berra o elfo de topete.
— Sshh — faz Iussuque. Começa a caminhar na direção de Valdir. — Vocês são novos aqui.
— Estamos só de passagem — diz Valdir, olhando nos olhos ainda marejados de Iussuque.
— E aproveitaram pra fazer uma graninha extra?
— Não. Fui atacado por esse monstro.
— Atacado. Hmmm.
Iussuque (nome verdadeiro: Cleiton) começa a passear em volta de Valdir, analisando-o. Músculos vistosos, ferimentos abertos, espada ensanguentada na mão, frieza no olhar. Valdir observa de volta, se perguntando quem é esse babaca.
— É que tem uma coisa. Somos nós que comandamos a segurança do Mercado.
— Não parece — diz Herivelto.
— Naniii?! — berra o elfo de topete, cujo nome é Gorrã. Ao seu lado, seu colega gordinho (Miazaque) põe a mão no cabo de sua katana escondida.
— E quem cuida da segurança de vocês? — pergunta Valdir.
Por alguns segundos, os Iacusa ficam em silêncio se perguntando se aquele filho da puta realmente tinha falado aquilo. E então o elfo de topete irrompe num berro, puxa um estilete do bolso e parte pra cima de Herivelto junto de seu parceiro e sua katana.
— Nãããooo, Gorrã, não! — diz Iussuque, decepcionado. — Não vê que eu tava tentando criar um suspense aqui? Porra.
Herivelto apenas sai desviando dos golpes, pulando de costas e rolando, enquanto os Iacusa rasgam o ar com suas lâminas. Logo Valdir chega para ajudá-lo, na base do pontapé.
— Não dá pra simplesmente vocês chegarem e me atravessarem assim — prossegue Iussuque. — Vocês percebem?
Miazaque ataca Valdir usando a katana de forma desleixada mas com golpes pesados, os quais Valdir defende com mais dificuldade do que gostaria - seus ombros estão machucados, afinal. Num dado momento, consegue girar o corpo e usando o movimento acerta uma espadada na katana. A lâmina é dividida ao meio.
— Olha aí o tipo de coisa que acontece — diz Iussuque.
Os dardos da zarabatana de Herivelto zunem pelo Mercado, fazendo compradores e vendedores desmaiarem aleatoriamente. Gorrã desvia de todos sem tirar os olhos furiosos de Herivelto, que por sua vez usa tudo que está à sua volta para tentar atrapalhar o Iacusa. Derruba mostruários, chuta garrafas e arremessa objetos, a despeito dos gritos dos mercadores.
Iussuque apenas faz caretas a cada barulho de metal caindo ou vidro estilhaçando.
Sem perceber, Herivelto chega novamente próximo de onde Valdir lutava com Miazaque e onde Iussuque olha em volta com as mãos na cintura. Planeja usar Iussuque como algum tipo de escudo ou coisa assim, mas repentinamente seu mundo vira de cabeça para baixo. O dele e o de Gorrã: os pés de ambos foram presos por cordas em alguma armadilha montada por um colega de Jadson. Agora os dois estão pendurados no teto.
Miazaque cai aos pés de Iussuque. Para evitar derramamento de (mais) sangue, Valdir apenas enche Miazaque de socos e joelhadas no estômago e no rosto. Após terminar com o ex-usuário de katana, segue pra ir soltar Herivelto da corda e ir embora de uma vez como se fosse a única coisa a se fazer. Não para Iussuque, que o chama como quem chama um cachorro.
— Acabou — diz Valdir, sem olhar para Iussuque.
— Eu digo quando acabou.
Herivelto revira os olhos mas logo sua expressão se torna uma de surpresa.
— Valdir — diz.
Valdir se vira. Seu olhar é levado para as mãos de Iussuque, que estão ardendo em chamas, assim como seus olhos.
— Eu não queria, mas vou ter que fazer isso — diz Iussuque, pra depois gritar: — Fumetsu No Ikarino Moeru Honō!
— Pode repetir por fav…
Valdir interrompe a frase quando vê que Iussuque junta as duas mãos flamejantes diante de si e solta um raio de fogo em sua direção. Quase não há tempo para desviar: o raio atinge de raspão o ferimento em um dos ombros de Valdir, que reage com um berro. Se desequilibra, mas logo volta à posição de luta. Atrás dele, um princípio de incêndio causado pelo ataque. Iussuque dá lentos passos na direção de Valdir, os olhos ainda em chamas.
— Olha, eu não quero piorar a situação — diz. — Vocês podem voltar pra casa agora ou eu posso acabar com vocês. Essas são as opções.
— Voltar? De jeito nenhum — diz Valdir.
— Então receio que…
Uma pedra acerta a nuca de Iussuque, fazendo um “tuc”.
Ele olha para trás e dá de cara com um exército de mercadores e mercadoras, putos da cara, de braços cruzados.
— É isso que você chama de segurança? — diz a líder deles. — Olha a merda que vocês fizeram.
Iussuque não é capaz de balbuciar uma resposta. Sua expressão boquiaberta acompanha a movimentação de pessoas correndo pra apagar o incêndio, varrendo o chão, juntando objetos. Placas foram ao chão, garrafas quebraram, barris atrapalham a passagem, equipamentos foram danificados.
— Chega da ceninha de vocês aí. Vocês — ela aponta para Valdir —, sumam daqui. E você — olha para Iussuque —, eu vou falar com o teu chefe. Pode apostar.
— O quê? Não! Vocês não podem…
— Ah podemos sim.
A discussão continua enquanto a multidão dispersa e parte para consertar a destruição generalizada. A orc da loja de poções passa por Valdir quase com mais fogo nos olhos do que Iussuque. Valdir dá um sorriso amarelo.
— Hã, sobre aquelas poções… — ela quebra uma garrafa aos pés dele e segue em frente.
Pelo menos Jadson lhes agradeceu. Meio acanhado, deu de presente uma bússola que aponta sempre para o fim da espiral - por que, apesar do formato, a dungeon é gigante para os lados e sempre pode confundir os viajantes.
— O final é o mesmo, mas o caminho é diferente pra cada um — diz Jadson.
Herivelto ainda consegue, a duras penas, comprar um mapa: um folder turístico muito colorido, com setas e explicações sobre os pontos turísticos da Dungeon. Normalmente, esse mapa seria um brinde. Com isso, Valdir e Herivelto atravessam o portão e seguem viagem.
*
Como se não estivessem debaixo da terra, passam por um descampado verde que some em suas vistas, debaixo de um céu azul brilhante, adornado de nuvens, e acampam sob uma macieira quando cai a noite. Jantam um pedaço de carne que tinham guardado.
— Aparentemente temos duas possibilidades — diz Herivelto, analisando o mapa. — Mais à frente começa um vale, então podemos escolher pegar a ponte e ir pra cidade de Wintarvil, ou pegar o caminho mais curto e ir pelo… Pântano de Merda.
Herivelto olha Valdir mastigar um pedaço da carne enquanto espera a resposta. Ela vem:
— Vamos pelo Pântano de Merda.
— O quê?!
— É o caminho mais curto. Não temos tempo.
— Valdir. Olha. Veja bem. Analisa.
— Hm.
— O outro caminho é uma cidade. Tem pessoas lá, podemos arranjar uns trabalhos por lá, fazer uma grana enquanto prosseguimos com a nossa missão. Todo mundo ganha.
— Sim.
— A nossa outra opção é passar por um pântano. Não obstante, um Pântano de Merda. Você realmente prefere passar pelo Pântano de Merda a ir por uma cidade?
Valdir mastiga.
— Sim.
— Tá de sacanagem…
— Não precisamos dar as caras em outras cidades. Pode ser perigoso, que nem no mercado. Nossa missão é resgatar a Brenda e ir embora. Acabou.
— É, mas a Dungeon Espiral tem outros tesouros que a gente pode aproveitar pra faturar, entende?
— Entendo. Mas nossa missão é resgatar a Brenda e ir embora.
Herivelto fecha o mapa batendo-o, depois arremessa ele dentro de sua mochila. Faz um resmungo que pode ser vagamente entendido como um “boa noite”, deita e se cobre de costas para Valdir.
Valdir apoia as costas na árvore e olha pro horizonte. Quando percebe que seu colega dormiu, puxa sua mochila. Bagunça tudo que tem ali dentro pra chegar ao fundo e escavar seu caderno. Anota o dia e escreve sobre como eles atravessaram o mercado na primeira área da Dungeon e salvaram a todos graças à sua força e à habilidade de Herivelto, sem maiores problemas. Também faz um desenho de Iussuque e do monstro que derrotaram, tudo meio misturado ao texto, sem muita organização, apenas soltando o que está em sua mente. Olha para o céu estrelado e pensa. Num canto da página, mais separado do resto, escreve:
“na dungeon nós entramos
um monstro derrotamos
com essa bússola eu vou te encontrar
Brenda, eu vou te”…
Salvar? Resgatar? Buscar? Parece que não encaixa. Rasgar? Não, que é isso. Se pelo menos houvesse um algum tipo de livro que tivesse todas as palavras que existem e uma explicação do que elas significam. Acalentar?
Um barulho. Valdir fecha o caderno. Os olhos arregalados e o rosto vermelho. Herivelto lhe viu escrevendo? Não, ele só se mexeu no cobertor, mas segue dormindo. Valdir espera ele terminar de se mexer e abre o caderno de novo. Acariciar? Buscar? Salvar…?
*
Iussuque nunca se dobrou tanto assim. Nunca precisou pedir tantas desculpas na vida. Sua cabeça bate repetidamente nos próprios joelhos, os olhos apertados, a testa batendo no chão de madeira.
— Perdão, senpai! Eu juro que vou consertar tudo!
Ele e seus dois colegas estão um ao lado do outro, diante de um homem sentado no chão, em posição de lótus. O cabelo quadrado perfeitamente cortado, o rosto que parece de pedra com o queixo quadrado.
— Chega, Iussuque. Você já disse isso. — a voz grossa de seu superior é quase como um latido, as palavras são golpes na cara de Iussuque, Gorrã e Miazaque.
— Eu vou me vingar! Eu vou me vingar daquele bárbaro! Malditooooo…
O grito de Iussuque reverbera pela casa de telhado longo e paredes brancas com portas de papel.
つづく