ESSA SEMANA minha namorada e eu vimos todos os filmes do Rebuild of Evangelion e, um dia depois, prestigiamos Chungking Express (ou Amores Expressos por aqui). Um pouco de contexto: o primeiro é o remake cinematográfico da série de anime clássica dos anos 90 sobre depressão, robôs gigantes e analogias católicas. Teve 3 filmes que saíram ali entre 2007 e 2012 e o último saiu recentemente (tem tudo na Amazon Prime). O segundo é um dos mais famosos do Wong Kar-Wai, que entre outras coisas cometeria anos mais tarde o sensacional Amor À Flor da Pele (tem ambos no Mubi).
Assim: ninguém viu muito desses filmes então não vou entrar muito em detalhes porém recomendo tudo. O certo mesmo seria ver toda a série do Evangelion e mais o End of Evangelion1, que é um final complementar ao final da série (tem os dois na Netflix) e depois seguir vendo os 4 filmes do Rebuild. Tem muita coisa envolvida, uma questão cíclica e tal, é uma experiência bem interessante o rolê todo… mas se quiser ver só os filmes, eu juro que não vou te julgar muito.
O Chungking Express parece fotografia de rua em movimento. Se aproveitando das cores da cidade, essencialmente à noite, com enquadramentos precisos. É bonito demais. A crocância da película.
Mas o grande lance que gruda ambos os filmes são as conexões entre as pessoas. Todos os personagens estão em busca de se relacionar com outras mas tem muita dificuldade com isso, o fazem de forma muito esquisita, pra dizer o mínimo. Se isso dá certo ou não, vai de cada caso. Esse mistério só se resolverá se VOCÊ assistir os filmes. Como eu disse, não dá pra entrar muito em detalhe porque nem todo mundo viu esses filmes então meio que não tem graça, vou parecer estar falando sozinho mais ainda aqui. O recado é: assista filmes. Descubra a magia do cinema.
Existem vários filmes. Acima, eu citei apenas alguns (aproximadamente 7). Os outros filmes que existem são:
E por falar em fotografia, outro dia fui a trabalho num heliponto aqui da cidade e tirei essa chapa de uma colega fotógrafa:
Alguém deu com o cotovelo no teclado e decidiu renomear umas vacinas com o resultado. Gostaria de aproveitar o ensejo pra sugerir outros nomes pras vacinas:
CoronaKiller
VaccineVax
Vacinão
Vacinaça
Vacininha
BlasterVax 2000
Joe Droppy
Thunder
Death Destroyer
Sérgio
Lamborghini
Terça-feira, uma da tarde. Uma hora antes da visita semanal dos javalis-de-osso.
A boca cheia de dentes do monstro quadrúpede se abria soltando baba na tentativa de abocanhar sua presa. Esta, por sua vez, corria desesperadamente pela areia dura do que há dezenas de anos atrás era uma cidade de trezentos mil habitantes. Só sobrava agora o deserto, uma ou outra formação rochosa ao longo do caminho, o sol da uma da tarde destruindo a pele dos incautos, e a busca eterna por água, comida e combustível.
Algumas coisas nunca mudam.
O homem cabeludo já estava cansando de correr, mas sua vida dependia disso. Sentia a presença da morte. Suas opções eram correr e viver ou parar e ser devorado. Se não morresse devorado, seu corpo já magro apodreceria em pouco tempo e viraria comida de urubus-lobos. Não estava disposto a isso, mas já não tinha certeza se ainda estava disposto a correr como estava correndo naquele momento. Os pés doíam dentro dos coturnos, sua blusa pesada lhe protegia do perigo mas não do calor. O suor atrapalhava sua visão. Talvez mais do que gostaria, porque nesse momento ele teve a impressão de ter visto uma construção. Continuou a correr, aproximando-se.
Era um restaurante. Ou era miragem. Só lhe restava acreditar. O que mais ele teria numa situação dessas?
O restaurante ficava atrás de uma rocha torta que entregava uma sombra suave sobre a porta de entrada. Acima desta, uma placa feita muito nas coxas dizia “O Último Restaurante”. Só podia ser um sonho. O homem abriu uma tentativa de sorriso, uma mistura de alívio e descrédito irônico no que achava que estava vendo. Enxugou os olhos mais uma vez. Estava lá mesmo.
Tirou forças de algum lugar e conseguiu apressar o passo. O monstro que o perseguia seguiu na mesma toada. Era um lagartigre de quase dois metros de altura e músculos proeminentes. As patas se aproximavam cada vez mais do homem. As pernas se moviam rapidamente. As patas se aproximavam cada vez mais do homem. Uma pisada pra dentro. A sola do coturno virou e o homem perdeu o equilíbrio, dando com o ombro no chão. As patas se aproximavam cada vez mais do homem. Agora já não havia mais o que fazer. O monstro abriu sua boca uma última vez.
E então
PÔU.
Onde houve um focinho de monstro agora havia apenas um buraco envolto por sangue e carne. O bicho caiu a menos de um metro de distância do homem, completamente imóvel. O homem boquiaberto olhou pro monstro e depois pra onde poderia ter vindo o tiro. Viu uma mulher com uma espingarda na mão, em cima da rocha próxima ao restaurante. Rapidamente ela desceu e se aproximou dele. Apoiou a arma no ombro direito, estendeu pra ele a mão esquerda, abriu um sorriso e disse:
- Bem-vindo! Posso ajudar?
* * *
Havia talheres sobre a mesa mas o homem comia a omelete com as mãos mesmo. Era vigiado pela mulher que o salvou e mais duas pessoas: uma mulher mais velha de cabelo raspado na máquina 1 e um homem de músculos proeminentes, que demonstrava usando uma camiseta regata. Descobriu que se chamavam respectivamente Mile, Homera e Biano, e eles descobriram que ele se chamava Beto.
- Que nomes são esses? – perguntou Beto, rindo.
- São nomes. – disse Biano, sem paciência. – São mais criativos que o teu.
- Biano! – repreendeu Homera, tentando ser minimamente simpática com Beto.
Homera lavava pratos, de trás do balcão, enquanto Mile estava sentada próxima a Beto, a arma apoiada na mesa.
- Gente, eu agradeço muito. – disse beto olhando para Mile. – Mas eu não tenho como pagar. Posso fazer o que vocês quiserem.
- Ah, sobre isso você tem que ver com a gerência. – disse Mile, olhando para Biano.
Ele apenas levantou uma sobrancelha.
- O primeiro prato é por conta da casa. – disse Homera, levando um pano ao ombro.
- Muito obrigado, dona! – disse Beto de boca cheia. – Hm. E desde quando vocês tão aqui? Não sabia que tinha sobrado algum restaurante ainda.
- A gente imagina que não sobrou mesmo. – Homera apoia-se no balcão. – Os que não desistiram foram destruídos pelos monstros, sabe como é.
- Ou assaltados. – disse Biano, de trás do caixa.
Beto se sentiu observado e ficou em silêncio, os olhos meio arregalados. Deu uma olhada pelo local. Viu um relógio grande e sujo, mas funcional. Em algumas paredes havia carcaças de monstros dos mais variados tipos e tamanhos, couro de animais impossíveis, crânios inesperadamente tortos, chifres espiralados e retilíneos. Havia um certo nível de ostentação, ou de orgulho em demonstrar que eles mesmos caçavam os ingredientes que usavam em sua cozinha. Uma porta nos fundos dava para uma hortinha, ínfima, por si só uma batalha por sobrevivência. Homera parecia cuidar dela muito bem, assim como cuidava da cozinha. À esquerda de Beto ficava o caixa, a parte mais escura do local, tal qual a pessoa que o ocupava.
- Quer algo pra beber? – ofereceu Mile.
- Uma água tá ótimo.
Ela levantou-se e Beto observou de raspão o corpo dela mas os olhos se abaixaram rapidamente, levando sua atenção para a espingarda. Com um movimento que demonstrava sua quase total recuperação depois de tudo que tinha passado recentemente, Beto pegou a espingarda e a apontou para o caixa.
- Meu amigo... – disse Biano.
- Me passa o que vocês tem aí. Rápido.
Deu três passos na direção do caixa, ficando diante da entrada. Homera por sua vez demonstrou também estar armada, com uma pistola. Beto olhou pra ela com a arma.
- Sem baboseira, tia. Abaixa aí. – virou para Biano. – Você, me passa aí o que tiver.
- Eu acho que essa não é uma boa ideia.
- Calaboca, caralho. Abre esse caixa.
Sem tirar o olhar de Beto, Biano abriu a caixa-registradora, puxando a gavetinha sem pressa. Havia vários objetos pequenos e variados que agora serviam como moeda, como anéis, colares, fotografias, celulares, relógios.
O relógio bateu duas da tarde.
Mile abriu um sorriso.
O chão começou a vibrar. Cada vez mais. As janelas começaram a tremer. Os penduricalhos nas paredes dançavam. O conteúdo da caixa-registradora farfalhava. Beto arregalou os olhos.
- Terremoto?
Biano apontou com a cabeça pro lado de fora do restaurante. De lá Beto pôde ver algo que nunca tinha visto antes e que nunca mais veria de novo: uma manada de uns vinte javalis-de-osso, seres de dois metros e meio de altura, correndo próximos ao restaurante e que na visão de Beto não fariam outra coisa que não fosse destruir tudo. Os cascos pesados batiam no chão, a pele semipútrida deixando ossos à mostra, as presas proeminentes quase davam a volta nas cabeças largas. Beto não conseguia fechar a boca diante da visão. E a boca abriu ainda mais quando um dos javalis-de-osso se emancipou da manada e veio tresloucadamente na direção da porta do restaurante. Beto até tentou atirar, mas não havia muito o que fazer.
A arma escondida de Biano deu conta do javali-de-osso depois que este deu conta de Beto. O que vinha depois disso era só mais uma parte do dia-a-dia do restaurante: limpeza. O corpo do javali-de-osso seria levado pra junto do lagartigre recém-abatido para ser carneado e para mais tarde virar parte do cardápio. Mile tirou a espingarda da mão do cadáver e em seguida viu-se de mãos vazias, quando Biano puxou a arma de sua mão. Em seu lugar, colocou um balde, enquanto ele empunha uma vassoura.
Nessa casa assiste-se anime sim, ok? Inclusive uma das músicas que tem rodado na minha cabeça é da trilha sonora de um anime do final dos anos 70 que eu ando vendo de vez em quando, em breve talvez comente sobre ele.