Me processe: quando alguém razoavelmente notório do qual eu não manjo muito acaba morrendo, vou atrás de conhecer mais sobre o trabalho da pessoa. Foi o caso do William Friedkin essa semana. Eu só tinha visto O Exorcista, Operação França e Killer Joe então fui atrás de ver pelo menos um outro clássico menos lembrado dele e parti pra Comboio do Medo. Depois eu fui lá e vi Viver E Morrer em Los Angeles.
(detalhe que esse trailer começa falando única e exclusivamente do diretor)
Comboio do Medo: foda hein? É um filme de 2 horas que parece que tem metade disso. Quando acabou eu fiquei tipo “mas JÁ?????!!!”. Ao mesmo tempo em que altamente espetaculoso - o Friedkin sabia filmar suspense e emoções com maestria - ele também tem um niilismo (como pontuou o Filipe Furtado nesse texto sobre o Friedkin) não muito hollywoodiano que parece permear toda a obra dele, ou pelo menos o que eu vi.
Tanto no Comboio quanto em Viver e Morrer os personagens parecem serem ser perseguidos pela morte, ou pelo destino. Isso é mais claro em Comboio, em que um bando de brancos do primeiro mundo se veem fugindo pra um paisinho perdido e fodido da América Latina dos anos 70 e se enfiam numa missão suicida (pra um ricaço) pra conseguir dinheiro pra justamente sair desse país. Mas aí que meio que talvez entre o niilismo e a misantropia do Friedkin: ninguém é legal no filme, todo mundo é ruim. E no único momento em que a gente poderia começar a sentir um pingo de simpatia por um dos personagens, ele morre. Abrupta e ironicamente. Não vou entrar em mais detalhes por motivos de spoiler mas isso continua ao longo do filme. É como se ninguém estivesse a salvo. Ninguém ali merece compaixão. E ainda por cima o filme ainda é um thrillerzão tenso pra caralho.
Daria pra ir muito mais além do filme mas eu só posso recomendar demais.
(que trailer foda????)
E por falar em thriller, Viver e Morrer também é isso, mas aqui é mais diretamente um filme policial. Lembra de filme policial? Era uma coisa, principalmente nos anos 80 e 90. O tipo que passaria muito no Super Cine e eu posso provar. É um filme que fede muito a testosterona. Violência, sexo, crime, crime feito pra resolver outro crime. Noir só que sob o pôr do sol de Los Angeles. Assim como em Comboio, todo mundo vive no limite. A morte tá sempre rondando - e ela vai chegar, invariavelmente de um jeito muito escabroso. Enquanto isso é quase uma comédia de erros: a quantidade de cagada que o policial protagonista comete é foda. Não só ele, todo mundo parece que vai cada vez mais se afundando na merda (jurídica e moral) e o clímax não por acaso é num local que tá pegando fogo… galera foi pro inferno mesmo. A perseguição de carro que tem aqui é um bom exemplo de como o protagonista, um cara em busca de vingança pelo colega morto, vai fazer qualquer coisa pra seguir em frente e escarafunchar na própria lama independente das consequências. Perseguição essa que, claro, obra de mestre também (o que dizer do cara que fez Operação França né), ainda que totalmente pé no chão, já que a proposta aqui não é a de um filme do Jackie Chan. Inclusive muito desse lance dos personagens se enfiando nas merdas vale pra Comboio também.
enfim, RIP Friedkin
só pra fechar: essa história sobre a produção de Operação França pagando um por fora pra poderem filmar a perseguição no meio da cidade
inde meio noventista honestíssimo que saiu há pouco tempo: novo do Computerwife
e um outro recente que me deixou surpreso positivamente foi o novo do Sain, inevitavelmente lembrado como O Filho do D2. Produções estilosas e classudas feitas pelo próprio, dá pra ver ecos de J Dilla e congêneres ali tranquilamente
RIP Robbie Robertson
E em mais um caso de cara que eu tô chegando atrasado só por que tinha preconceito, fui ouvir um antigo do Bon Iver e o cara faz jus ao nome.
Sim, ele é bon. OK? Durma com essa
esse vídeo do Quadrinhos na Sarjeta desenvolve bem alguns temas que eu já tinha falado sobre Shin Kamen Rider, embora eu não concorde exatamente com tudo que o Linck fala
E agora vamos a mais uma tradição aqui da newsletter, algo que todos estavam esperando: hora de conhecer os bonecões da Festa do Vinho de Urussanga/SC.
Quem chega no Parque Municipal Ado Cassetari é recepcionado por essa fera aqui, com essa barba perfeitamente recortada. O nariz fininho de cirurgia plástica. Os olhos ligeiramente nervosos. A boca sem sorriso. Ele empunha uma garrafa de vinho como se fosse uma metralhadora. A mensagem é “se você não beber este vinho, eu te mato”. A postura de um típico mafioso italiano. Parece coerente.
Logo em seguida, num banquinho de praça, temos esse casal de velhinhos colonos que com certeza cravaram 22 na urna no último pleito para presidente. O velho não consegue nem olhar pra cara dos turistas, envergonhado. A velha parece estar relembrando os tempos antigos, de quando ela fazia parte de algum programa infantil que passava no Glub Glub, incapaz de dar um mísero sorriso para as pessoas que vão bater foto com ela. As mãos preocupam-se com alguma outra coisa, um bordado que não existe mais. Diagnóstico: Alzheimer.
Depois de subir parque adentro, o turista encontra um casal muito amigável. A mulher com um sorriso capaz de engolir o próprio nariz olha pro céu esperançosa. As mãos geradas pelo Midjourney parecem esperar alegremente pela chuva (que caiu, na quinta-feira), e o som inexistente do pandeiro nunca batido ecoa na imaginação do transeunte. Isso é storytelling.
O queridão do lado dela por outro lado olha desesperado pra algum lugar que talvez nem ele reconheça. Ele amarga um sorriso falso, uma vã tentativa de manter a alegria diante do horror que ele presencia mas que não consegue contar a ninguém do que se trata. Pois bonecão. O shape muito aesthetic pode indicar que ele seja um fake natty que se emocionou no supino mas os defensores vão dizer que é tudo fruto do trabalho braçal na roça, que ele não tá nem vascularizado. Outros vão dizer que ele é apenas um boneco.
Porém, o maior problema da escalação de bonecos deste ano é um desfalque fortíssimo. Dias antes do início da festa, começaram a rolar fotos da moça que faria par com o mafioso lá da entrada. Por algum motivo, porém, no dia da abertura a boneca estava ausente. Perdemos seu sorriso côncavo do pai que oferece refri pro filho e seu olhar penetrante. Ela não estava em lugar algum do Parque - e olha que eu procurei. Em tudo quanto é canto. Teria essa boneca se tornado o primeiro caso de lost media da Festa do Vinho deste ano? “Deste ano” por que temos um caso clássico, que é o do tradicional boneco do mascote Nonno Gigio, um velhinho bebaço e cabeçudo que ameaçava crianças incautas por aí até umas edições da festa até os anos 2000. Ele nunca mais foi visto em Festa do Vinho nenhuma.
Onde quer que ela tenha ido parar, que esteja em paz.
(Ah sim: no dia que eu fui na festa teve Barões da Pisadinha e o show foi legal, vários hits enfileirados sobre uma base de graves e agudos potentíssimos)