A edição passada foi a edição de número 64, o que me fez perder a chance de fazer alguma piada ou tecer comentários quaisquer sobre o Nintendo 64. Tipo qual o meu jogo preferido de Nintendo 64 (Mario 64), ou o jogo de Nintendo 64 que eu queria ter terminado mas não consegui (Zelda Ocarina of Time).
Então o jeito é falar dele, o Nintendo 65
Suas listas de melhores álbuns do ano estão defasadas: saiu um álbum novo da Little Simz nessa quinta (20/12). Rap classudaço como sempre.
outro som de interesse é o novo da Charlotte Adigéry com o Bolis Pupul, experimentações meio revival do electroclash com temas bem interessantes
Mais um da série “Chegando Atrasado” ou “Chovendo no Molhado”: Os Fuzis, do Ruy Guerra, né? Que filmaço. E que cartaz
O político e o pessoal que se atravessam - no fim, tudo é político. Até onde vai a fé, e a fé no que é certo, quando a fome fala mais alto?
Me lembrou The Wire na forma como ele dramatiza as estruturas de poder e seus conflitos. Os temas, é claro, são bem parecidos. E a fotografia, simples mas muito efetiva. Com certeza tem muito mais a se falar mas tenho a impressão de que não sou eu que vou falar.
Tem uma versão restaurada no Youtube, mas fica o aviso de que tem propaganda a cada 5 minutos nessa porra
Dito isso, teve realmente gente que respondeu à enquete sobre o cineclube então é capaz de rolar. Mas não agora né, deixa pro ano que vem. Quem é que vai querer ver filme nas férias?
Do outro lado do espaço e do tempo e da estrutura industrial do cinema, temos Abatchare 2: Agora Muito Mais Molhado.


Assim, a minha impressão é que a galera realmente se emocionou demais com isso. De fato é muito impressionante a qualidade visual da coisa toda - não parece que tem CG em momento nenhum. Gráficos 10/10 segundo a Ação Games. A parte toda que mostra a família se habituando à vila na água e tal é provavelmente a melhor coisa do filme, aquele lance de se deixar levar pelo maravilhamento da natureza daquele lugar alienígena, aquelas cenas que parecem um documentário sobre o fundo do mar… mas no fim o filme tem outras preocupações que eu achei menos interessantes. Ainda é o James Cameron, pro bem e pro mal.
É bom que se diga que foi visto numa sala com um 3D meio à moda caralha e sem o high framerate, então boa parte da imersão que todo mundo tá elogiando provavelmente se perdeu no meio do caminho. Fica pra próxima.
Não sei se vocês sabem/lembram, mas no final dos anos 80 o Super Mouse teve um desenho animado novo. Quem lembrou da existência dele foi o Tom Brevoort, editor da Marvel que faz a newsletter
.Super Mouse, a saber, era esse desenho dos anos 40/50, que tinha essa abertura clássica
E aí que lá pelos idos de 87 o Ralph Bakshi (diretor de animação famoso no rolê alternativo, que fez coisas como Fritz The Cat e o Senhor dos Anéis dos anos 70) meteu o papo pra CBS dizendo que tinha os direitos pra fazer uma nova série do boneco.
Ele não tinha. Na verdade, quem ainda tinha os direitos era a própria CBS.
O resultado é um pouco lembrado desenho que era uma doideira (guardadas as devidas proporções) e que meio que deu início a um monte de coisa que a gente passou a ver nos anos 90. Participou gente que depois criaria/trabalharia em animações como Simpsons, Ren & Stimpy, Tiny Toons, Freakazoid, King of the Hill, South Park, aquele outro revival maluco de cartoon antigo que foi o Twisted Tales of Felix the Cat, e por aí vai.
E que passou, se eu bem me lembro, em algumas tardes perdidas da Record. Em suma: alguém lembra desta merda?
Quão lost é a media quando cinco pessoas lembram do negócio? Pense nisso.
Ah, nunca é demais lembrar: Andy Kaufman fazendo lipsync do tema do Super Mouse no Saturday Night Live
Fiz a piada do Nintendo 65 lá e fui pesquisar pra ver se ela já existia de alguma forma na internet e aí descubro que existe um wiki de um troço chamado FANTENDO, onde a galera fica inventando jogos inexistentes da Nintendo. Aí, claro, tem lá o Nintendo 65, cujo jogo mais vendido é o Wario Bros
Me senti na internet de 1999. Obrigado a todos.
Outro dia eu tive a ideia de fazer um quadro cujo nome seria “Cavalo Dado”, no qual eu faria resenhas de presentes de Natal.
E por falar em não olhar para os dentes de cavalos dados, deixo aqui de natal pra vocês mais um conto desgarrado, que foi recusado por alguma editora em alguma coletânea recente. Não tenho certeza se lembro qual era o tema, mas acho que não faz tanta diferença. Leiam aí e tentem descobrir. Boa sorte e feliz natal.
Sozinha
Dia 1
Resolvi escrever esse diário pra não ficar totalmente louca. Porque não tenho ninguém pra conversar. Não sei mais que dia é hoje, perdi as contas há tempos. Meu relógio de pulso não funciona mais. Todos os dias parecem o mesmo. Não chove mais desde que o mundo acabou. Acho que faz mais de ano que não vejo ninguém na rua. Talvez eu seja a última mulher da Terra, ou a última pessoa da Terra. Talvez eu só esteja viva ainda por teimosia, nem eu sei mais. Eu só tô seguindo em frente. Passo meus dias andando por escombros de cidades e de pessoas. Parece que eu fui tudo que sobrou.
Dia 2
Encontrei um carro, e dentro dele dois cadáveres. Um deles, de uma criança, no colo do outro. Ligados por teia de aranha. Tirei os dois de dentro da carcaça de metal e fiz ela reviver. Roncando de dor. Meio tanque de gasolina. É o suficiente pra me levar pra algum lugar. Resta saber pra onde.
Dia 4
Andei de carro. Almocei uma barra de cereal, de novo.
Dia 5
Andei de carro. Passeei num shopping morto, como tudo. Peguei uma calça de moletom e uma camiseta de uma loja de departamentos, sem pagar. Ninguém viu.
Dia 6
Cheguei em algum lugar que parecia um lugar. Um casarão antigo, largo, de um andar só. Provavelmente estava aqui desde o século XIX. Não encontrei corpos, mas encontrei restos de plantações e uma série de quartos. Encontrei uma única porta trancada. No maior dos quartos, inclusive, tinha uma cama king size com um colchão perfeitamente funcional, coisa rara nos dias de hoje. Acho que é aqui que eu vou passar uns tempos.
Ah, tive dificuldade pra dormir. Normalmente o único barulho que eu ouço à noite é quando tem algum vento. Hoje, ouvi o som impertinente de algo batendo no cômodo ao lado, o da porta trancada.
Dia 7
Acordei com um objetivo: ver o que tem além da porta trancada. Quando se é possivelmente a última pessoa viva em um mundo destruído, os seus objetivos de vida acabam se tornando esse tipo de coisa simplória. Ver o que tem do outro lado de uma porta trancada. Ligar um carro. Apostar consigo mesma quanto tempo leva pra chegar a um prédio que está no horizonte. Investigar os escombros de uma casa e tentar remontar a história da vida das pessoas que moravam ali. Descobrir quanto tempo leva pra chegar a diarreia depois que você come um sanduíche do McDonald’s cuja validade passou faz anos. Pensando bem, talvez todo objetivo de vida seja simplório.
Escrevo isso perto do pôr-do-sol, enquanto ainda tem luz, e não consegui abrir a porta de jeito nenhum. Mas ainda não desisti. O barulho de algo batendo ali dentro começou novamente. Eu vou abrir essa merda nem que eu precise derrubar a parede.
Dia 8
Não precisei derrubar a parede. Bastou a noite chegar e eu consegui girar a maçaneta sem fazer esforço nenhum, como mágica. Tudo que aconteceu a partir daí ficou talhado na minha memória. A porta gemeu na minha frente à medida em que eu fui entrando e me deparando com um cômodo minúsculo, provavelmente uma despensa. Iluminado pela frieza da lua, encostado na parede à minha frente, estava um armário escuro de duas portas, da minha altura, opaco pela quantidade de pó. Sem pensar muito, virei a chave que trancava o armário e abri as portas. Houve uma série de barulhos agudos de coisas batendo e algo caiu em cima de mim. Era mais um cadáver. Meu coração acelerou e minha boca abriu com aquele movimento repentino, então por alguns segundos tentei me acalmar porque nada de mais tinha acontecido. Até que aconteceu. Notei que o cadáver estava vestido com os restos de uma camisola, e de dentro dela surgiu um vapor. Não era apenas pó se movendo, era algo que brilhava — mais do que isso, emanava uma luz própria. O vapor subiu, erguendo-se de todas as partes espalhadas do cadáver, até se juntar num ponto só e esse ponto se expandiu. Aos poucos pareceu se desenhar à minha frente um corpo humano. Braços cobertos por uma versão brilhante da camisola, e acima deles o vapor criou dois olhos, um nariz, uma boca e longos cabelos escuros. Parecia uma imagem, ao mesmo tempo em que era muito vívida e real. Os olhos se abriram e não havia nada dentro deles. Nem esclera, nem íris, nem pupila. Apenas uma escuridão completamente vazia. Por um ligeiro momento eu me identifiquei. Depois voltei a ficar assombrada pelo que via, apoiando-me na porta. A mulher brilhante abriu a boca.
Ela me agradeceu.
O som da voz dela pareceu reverberar diretamente no meu cérebro, sem ter passado pelos meus ouvidos, o que fez minha espinha gelar. Eu não conseguia fechar minha boca e meus olhos se mantinham abertos apesar de tudo. Eu mal piscava. Não sabia se queria acreditar ou não no que via.
Atordoada, soltei a única frase que eu fui capaz de emitir depois de dias e dias e dias sem fazer parte um diálogo com outra pessoa que não fosse eu mesma, com a voz saindo rouca das cordas vocais raramente usadas:
— Eu que agradeço.
O rosto sem olhos sorriu pra mim. Ela deu um pequeno passo pra frente, mais como se estivesse pegando impulso de leve, com seus pés quase infantis, e pareceu flutuar.
— Quem é você? — perguntei ao notar que talvez ela estivesse indo embora.
Ela me disse que morava ali, quando era viva, e que foi trancada no armário, quando era viva. Desde então tem estado ali, até eu chegar.
A mulher passou por mim. Literalmente. Atravessou meu corpo físico com seu corpo intangível, e o encontro dos dois corpos arrepiou todos os meus pelos. Virei pra ela enquanto ela seguia seu caminho:
— Pra onde você vai? Todo mundo morreu.
Ela sorriu de novo. Disse que tinha algo pra fazer e que não demoraria pra voltar. Deu as costas pra mim e subiu na direção das estrelas como que levada pelo vento.
— Espera — pedi.
Ela parou e se voltou pra mim.
— Me conta a tua história — implorei.
Ela sorriu mais uma vez. Prometeu contar quando voltasse. Voltou a ser levada pelo vento, como se seu corpo tivesse o peso de uma pipa. Fiquei olhando para ela flutuando pelo céu até sumir no horizonte.
Pela primeira vez em muito tempo, chorei, até ter dor de cabeça. Só depois disso caí no sono. Escrevo isso sentada na frente da porta da despensa, com minha calça de moletom e minha camiseta nova, esperando a noite chegar.
Dia 9
Não aconteceu nada. Fiquei olhando intensamente pra despensa, pro armário, pro cadáver, pra camisola. Ela não voltou.
Dia 10
Nenhum movimento na despensa. Tentei trancar a porta de novo e destrancar à noite pra ver se isso acionaria alguma coisa. A única coisa que se repetiu foi a luz da lua encrostada no armário e no cadáver.
Dia 11
Ela não voltou.
Dia 12
Ela não voltou.
Dia 13
Eu não consigo mais olhar pra essa porra de despensa. Nem deitar no colchão eu consigo. Essa casa me deu asco. Chutei a porta da despensa até abrir um buraco. Não faz o menor sentido eu esperar. E se eu sonhei com aquele dia? Não. Era real demais. Não é possível.
Dia 14
E se eu sonhei com aquele dia?
Dia 15
Peguei o pouco de coisas que carrego, joguei no carro e o liguei. Meu rosto encharcado de lágrimas que eu não me dei ao trabalho de secar virou pro casarão. Dá de ver a despensa aberta de dentro do carro. Olhei pro medidor de gasolina, tem um quarto de tanque. Vamos ver pra onde isso me leva.
Comecei a escrever esse diário pra não ficar totalmente louca, mas não sei se adiantou.
essa foi a primeira vez que eu ri com alguma coisa do Andy Kaufman — blasfêmia para uma 𝑐𝑜𝑚𝑒𝑑𝑖𝑎𝑛𝑡𝑒 𝑎𝑙𝑡𝑒𝑟𝑛𝑎𝑡𝑖𝑣𝑎 mas é verdade