primeiramente bom dia
essa aqui vai especialmente pra quem tinha o disco com a trilha sonora da novela Cara & Coroa Internacional
ref. cit.:
MIKE + THE MECHANICS
PETER CETERA
RENATO RUSSO - LA SOLITUDINE
MARILLION
WHIGFIELD
TAKE THAT
MICHAEL BOLTON cantando CAN I TOUCH YOU…………….… THERE?
Qual não foi a minha surpresa ao descobrir que as temporadas 4 e 5 de Search Party, série que eu citei aqui semana passada, estão SIM na HBO Max. Comento em breve, mas fica aí a ERRATA.
vocês nem pra avisar
Se você tiver alguma coisa pra avisar, é só clicar no botão abaixo:
E em mais uma da série Chegando Atrasado ou: Um Cinéfilo Relapso, assisti O Império dos Sentidos, do Nagisa Oshima, de 76.
Realmente é aquilo tudo mesmo. Fui sem saber/lembrar muita coisa, sabia que tinha algo sobre sexo e tal, só não imaginava que seria TANTO, então foi meio impressionante. Não só pelo CONTEÚDO como o jeito que é filmado: é tudo muito simples (citar Ozu aqui é meio inescapável) e bonito, o toque entre os atores é quase palpável. E a forma como o filme não julga os personagens, simplesmente entra na história deles. Talvez a gente realmente esteja acostumado com histórias americanas em que a lição de moral tá lá prontinha no final né. Esse acaba sendo um dos temas principais do filme, já que é muito frequente surgirem personagens que ficam lá julgando o casal principal enquanto eles tão lá trepando, seja reclamando com eles ou simplesmente com o olhar.
Gostaria de mandar um salve também pros artistas brasileiros que fizeram a trilha sonora desse filme, a saber: Amado Batista…
… Dennis e Cantini…
… e, claro, Trio Parada Dura.
Fica aqui também um conteúdo complementar que está no DVD do filme:
Ficastes interessado/a? Deverias. Tem na Mubi, então é só fazer que nem o casal do filme: só chegar e pléu.
Um dia depois de ver esse, a Iris e eu assistimos Terra À Deriva, um filme chinês da Netflix que é baseado num livro do Cixin Liu e a minha ideia seria traçar algum tipo de paralelo entre os dois filmes, tentar encontrar um ponto onde eles se encontram de alguma forma. São filmes diametralmente opostos, já que esse da Netflix é um filme de ficção científica absurda com catástrofe e destruição e loucuradas correlacionadas e o outro é sobre um casal explicitamente fazendo sexo. São tipos diferentes de pornografia.
Mas esse é o ponto máximo que eu consigo chegar (referência sexual não intencional) porque eu dormi durante 70% do filme. E o que eu vi é muito sem criatividade ou inspiração em todos os níveis possíveis.
Eu que não vou tentar ver de novo, me incluam fora dessa.
A propósito de Netflix: a terceira temporada de Twin Peaks sai em 21 de maio da plataforma
Netflix está cada dia mais INTANKÁVEL
E o King Gizzard And The Lizard Wizard que lançou mais um álbum
É um a cada duas semanas. Não dá pra dizer que esse é o melhor álbum deles, mas é interessante que tem umas paradas de hip-hop no meio, gostaria muito de ver eles enveredando mais pra isso num futuro próximo.
Eu não nasci, eu fui construído. Pegaram meu cérebro de uma pessoa chamada Joana da Silva, meu peito de Mark Smith, meus braços de Abelard Müller e minhas pernas de Yoshihiro Otomo. Meu tecido muscular de Carlos Perez. Meus pulmões de Maria Johansson. Eu fui costurado, como um boneco, para ser o melhor soldado possível. Como um boneco.
Eu não tenho vida, tenho uma missão. Me puseram num avião velho que parece o interior de uma baleia, porém feito de metal. O meu CEO está aqui, o meu coronel também. Eles estão me passando as informações da missão. Me mostram mapas num tablet, de braços esticados para o alto para que eu possa ver melhor, como se fosse realmente necessário. Meus olhos estão ligados a uma câmera e a um computador. Me mostram o rosto do homem que eu devo matar. Não sei quem ele é, não sei onde estamos. Entendo completamente o mapa e o memorizo centímetro por centímetro. Sei onde está o homem que eu devo matar e sei que devo matar quem me impedir de matá-lo.
Alguém abre uma porta gigante na traseira do avião e o vento começa a bater no meu macacão cinza e no meu rosto. Não sinto o vento. Não sei de onde vieram minhas terminações nervosas mas o meu CEO não parece se importar muito com essa falha. Eu não me importo. Ao sinal do general, eu salto no ar. O vento bate no meu rosto com alguma força e eu sinto um pouco dele batendo enquanto o chão se aproxima de mim como uma parede escura pra onde meu corpo acelera sozinho. Eu caio como um míssil e a cinquenta e dois metros de altura do chão eu puxo a corda e o paraquedas se abre. Identifico os prédios em volta, construções antigas e retangulares que vão ganhando cor à medida em que o sol vai nascendo. Um deles é onde está meu alvo. Enquanto desço como um balão, procuro o prédio. São todos muito parecidos em seu cinza e sua cor de areia. O mapa de um deles bate com o mapa que eu tenho memorizado, um prédio de três andares e um porão. Existe um homem com uma metralhadora na cobertura do prédio. Não existe mais, graças à precisão do meu fuzil. Pouso ao lado dele e arranco meu paraquedas. Olho para o homem apenas para conferir que estava morto: o buraco vermelho no topo da cabeça confirma. A carne repousa como uma flor no meio do cabelo preto e sujo de areia. Não sei quem ele era.
Destranco a porta da cobertura com um tiro silencioso e me dirijo ao andar de baixo sem fazer barulho algum. Deslizo pelas escadas e ao final do pequeno corredor vejo um guarda. Ele arregala os olhos ao me ver e essa é sua última expressão. Meu tiro acerta seu pescoço e ele cai, um pedaço de carne sem vida e sem sonhos. Não sei quem ele era. Meu alvo está no térreo. Sigo descendo as escadas e um outro homem surge de uma porta, portando um fuzil. Dois tiros, um na mão e um no peito, e ele não existe mais. Chego no térreo e encontro um pequeno mercado abandonado. Meu alvo deveria estar aqui mas houve algum engano. Não há ninguém, apenas balcões vazios, produtos caídos pelo chão, propagandas sem cor, logotipos amassados e produtos fora da validade. Meus olhos varrem o local mas não encontram nenhum ser vivo. Porém há uma porta com uma fresta de um dedo aberta. Olho para dentro e empurro a porta ligeiramente apenas com os dedos. A porta de plástico range como um miado que vai diminuindo aos poucos. Recebo um tiro no ombro e ele arranca um pedaço da minha carne e então abro o resto da porta atirando. Há dois homens de pé atrás de mesas com fuzis na mão e eles atiram sem pensar ao me verem. Eu sinto tiros me acertando mas não sinto dor. Clico no gatilho da arma três vezes e é o suficiente para os tiros pararem e os homens não se moverem mais. Nenhum deles era meu alvo, não faço ideia de quem eram. Analiso rapidamente e percebo que tenho tiros no ombro direito, na barriga e um na têmpora esquerda. Sinto um choque de dor por um segundo, o que me faz perder as forças nas pernas, mas depois volto a ficar de pé. Analiso a sala e vejo manchas de sangue na parede oposta e um alçapão no chão. Recarrego minha arma e me dirijo até ele. No segundo passo, as dores voltam, como um glitch. Param novamente.
Abro o alçapão e uma escada de metal torta leva até o que parece ser uma garagem. Alta, larga e iluminada por luzes fosforescentes verdes. Há alguns carros estacionados, um jipe, um tanque e um caça. Quando termino de descer as escadas e coloco meu pé direito no chão, as dores voltam com tudo como se emergissem do meu cérebro e atacam os buracos dos tiros. Com o choque, perco o equilíbrio e minha visão fica turva. Tento me localizar. Olho para um dos carros e vejo o meu alvo. Ele sorri para mim. Estou de joelhos.
Eu pisco e perco a visão por um segundo. Ele está fora do carro. Pisco novamente e ele está a um metro de distância do carro. Tem um revólver na mão. As dores. Ele aponta o revólver para o meu rosto. Ele está a dois metros de distância de mim. Fecho os olhos. Antes que ele perceba, dou um salto para trás e acerto três tiros nele, dois no peito e um no rosto. Caio com as costas em algo e sinto dor novamente. As dores todas voltam. Sinto minhas energias diminuindo.
A missão. Estaria cumprida. Mas não. Recebo uma informação sensorial de que não. Preciso sair daqui, preciso sobreviver. As dores. Incapacitado. Voltar pela escada? Não. Existe uma outra saída. Preciso sobreviver quando sair desta garagem. As dores. Olho pela garagem. Meus olhos parecem me guiar para algo.
Meus pés me arrastam para o outro lado da garagem. A minha saída está apontando para a parede. Apoio meu corpo em sua fuselagem. O caça é um modelo drone G-125. Em outros tempos, seu cockpit levaria um piloto. Hoje em dia, leva um computador. Como se fosse natural, começo a procurar por uma entrada de dados. Tateio por toda a pele metálica do caça. Encontro o coração dele. Aqui.
Fecho os olhos. Iniciar transfusão. Encosto meu dedo na entrada de dados e sinto pedaços da minha mente fluindo. Me ajoelho, minhas forças concentradas na transfusão. As dores começam a desvanecer. Em seu lugar, sinto trepidar a ponta do meu dedo. A trepidação segue para o resto do meu corpo e ela se transforma em ondas de arrepio pela minha pele. Não há mais dor. Isso parece prazer. Nunca havia sentido isso antes. Sinto uma necessidade de continuar. Concentro minha atenção na transfusão e ela segue com mais força. Não sinto dor nenhuma mas sinto meus músculos se moverem na direção do caça. Todas as redes do meu corpo parecem querer se mover. Os cabos, as veias, as terminações nervosas, a pele. A pele.
Sinto minha pele se desprender nas costuras originais e meio que levitar para a fuselagem. Percebo como o metal é gelado mas isso não me incomoda. Tudo está se encaminhando. Eu sinto a conexão. Sinto que meu corpo divide espaço com outra coisa – com mais uma coisa. Minha mente divide espaço com o computador de bordo do caça. Minha pele divide espaço com metal. Meus músculos dividem espaços com engrenagens. Meus ossos dividem espaço com a fuselagem. Meu sangue divide espaço com combustível. Eu não tenho mais braços, mas tenho um par de asas metálicas imóveis, armadas com metralhadoras e mísseis. Eu não tenho mais pernas mas tenho um par de foguetes e um trem de pouso. Eu não sou mais humano, se é que algum dia já fui. Eu sou um com o caça.
Abro os olhos e eles estão fundidos com o computador central. Eles são um conjunto de câmeras. Meu cérebro velozmente se acostuma com a transfusão e passo a conhecer meu novo corpo. Com um pensamento, abro a escotilha da garagem e ela se torna uma rampa para fora. O jato se aciona e minhas entranhas começam a lançar combustível, fazendo um barulho crescente. Eu tenho fogo saindo pelo foguete. Eu saio voando.
Eu recebo uma sensação dos meus superiores. Agora sim, minha missão está cumprida. Sinto alívio. O vento bate no meu metal e na minha pele e apesar da minha velocidade não sinto dor ou incomodação, apenas a sensação do vento batendo. O céu na minha frente, o chão cada vez mais longínquo. A velocidade cada vez maior. Preciso voltar para minha base o quanto antes, não tenho muito combustível. Uma outra sensação toma minha atenção.
Estão tentando se comunicar comigo. Estão me ameaçando. Não entendo uma palavra mas sei que são os antigos donos do caça. Corto a comunicação. Sinto a aproximação de dois caças do mesmo modelo que o meu. Seriam meus irmãos porém são feitos apenas de metal. Sinto-me superior. Não demora para que eles lancem mísseis na minha direção. Dou um giro vertical e consigo desviar de um mas não consigo fugir do segundo. Ele acerta o equivalente à minha caixa torácica, na parte inferior do meu corpo. Perco a concentração e o equilíbrio. Tudo gira. Meu computador tenta se recuperar mas não consegue. O chão se aproxima. Um prédio se aproxima. Meu cérebro não age a tempo. Acerto o prédio. Sinto meu corpo se despedaçando. Meu cérebro ainda vive, não sei por quanto tempo. Sinto um upload sendo feito. As informações estão seguras. Meu combustível está acabando. Não tenho mais forças para nada além do upload. Upload concluído. Minhas câmeras se desligam. Não consigo mais me manter acordado. Se eu tivesse nascido, teria morrido. Não sei dizer se vivi.
Abro os olhos. Um novo boot. Sinto um novo sangue correndo. Meus olhos se movem rapidamente e eles são novos olhos. Um novo corpo de outras pessoas. Lembro de ter um corpo, de ter uma missão, de ter me fundido com um caça. De possivelmente ter vivido uma vida previamente. Vejo um homem de jaleco na minha frente, atrás de um vidro. Tenho uma sensação estranha. Como se fosse uma inundação de esquecimento. Meus olhos são fechados. Não consigo me lembrar ou me dar conta do que fui. Quem fui, o que me tornei. Só restam as informações. Eu fui um caça? Quem eu fui? O que eu fiz? Eu tive uma vida? Eu tive uma missão? Formatação completa.
Eu não nasci, eu fui construído. Pegaram meu cérebro de uma pessoa chamada Yoshihiro Otomo, meu peito de John Nkosi, meus braços de Noah Peeters e minhas pernas de Chenguang Zhao. Meu tecido muscular de Anthony Smith. Meus pulmões de Carlos Perez. Eu fui costurado, como um boneco, para ser o melhor soldado possível. Como um boneco.
Eu não tenho vida, tenho uma missão.