Bom, passei o fim de semana passado enfurnado no Tunic, o famigerado RAPOZELDA que eu citei semana passada e é bom mesmo hein. Tem todo um lance de exploração, e a forma como ele vai te apresentando novas mecânicas baseando-se nessa exploração é muito sagaz. Mas como citou o Heitor do Overloadr: tem combates que são difíceis demais sem necessidade, o jogo parece não escalonar essa dificuldade de um modo satisfatório. Teve umas duas batalhas que eu fui na Acessibilidade e habilitei os modos em que não se perde life e estamina por motivos de não sou obrigado.
Depois de terminar, fui obrigado a ir no Reddit ver a versão traduzida do manual do jogo porque a experiência toda me pegou bastante. Jogue você também, entre nesta brincadeira.
e esse bando de marmanjo de peruca. A Eleven ali fazendo a mesma cara de sempre. Não dá mais.
É engraçado como Stranger Things resolveu ir FULL NOSTALGIA quando viram que deu certo na primeira temporada. Ou, pelo menos, essa nostalgia de um tempo apenas imaginado, essa paródia de nostalgia. É o poder do algoritmo. Eu arranco meu braço se não tocar uma música do Nirvana no primeiro episódio da nova temporada.
Duas das melhores bandas de barulheira psicodélica da atual conjuntura que se juntaram pra fazer um EPzinho. No caso, o Tropical Fuck Storm e o King Gizzard & The Lizard Wizard:
E a MISS KITTIN e o THE HACKER que lançaram um ÁLBUM NOVO em pleno ano de 2022 e tá bem divertido, principalmente pra quem quer lembrar dos velhos tempos em que o ELECTROCLASH era uma coisa
Ainda não terminei de ler, mas: essa matéria do Hollywood Reporter sobre a produção de Missão Impossível 7 e nosso amigo Tom Cruise tá bem SABOROSA, fofocas de primeiríssima
Sabrina - parte 2
Os olhos semicerrados e pensativos de Sabrina olhavam para lugar nenhum. Não se dava conta dos berros das crianças que brincavam ao longo da escola e muito menos dos assuntos que seus amigos conversavam. Estavam todos sentados no chão, apoiados numa parede, em seu cantinho particular. Alaor terminou um gole de Coca para continuar a conversa:
- E, porra, pra que que serve a crisma? A primeira comunhão, beleza. Ela é a primeira comunhão da pessoa. Dá pra entender. Mas a crisma?
- Precisa ter a crisma pra casar. – disse Gioconda.
- Tu precisa da crisma pra destravar o casamento, que nem num jogo. – disse Pedro Júnior.
- Mas que merda. – disse Alaor. – E aí eu sou obrigado a jogar esse jogo?
- Tem outros jogos. Mas aí são mais difíceis.
Alaor ficou pensando na profundidade da resposta de Pedro Júnior, e fez uma careta de aprovação. Então viu Sabrina virar a cabeça lentamente para o grupo:
- E se eles tiverem fazendo experimentos com pessoas da cidade?
- A igreja? – disse Pedro Júnior.
- Não não. Aquele laboratório que a gente viu. A gente viu um laboratório, né?
- Sim...? – disse Alaor, sem certeza. – A gente não tava tão doido. Eu acho.
- Sim. – disse Gioconda.
- “Sim, a gente tava doido” ou “sim, a gente viu”?
- Sim.
- Mas o que que interessa que eles tão fazendo experimentos? – indagou Pedro Júnior.
- Olha o tamanho disso, cara. – disse Sabrina. – Tem um laboratório do lado da cidade. Fazendo sei lá o quê. Ninguém fala nada sobre isso. Só a gente sabe. Entende? – fez uma pausa. – A gente tem que voltar lá e ver o que tem nesse lugar.
- Ah não, Sabrina.
- Ah sim, Juninho! Por favor, cara.
- Por favor digo eu, Sabrina! Tinha o exército lá! Tu viu os caras com as armas.
- Exatamente! Por isso mesmo a gente tem que ir lá fuçar. E, sei lá, denunciar. Deve ter algo muito escabroso lá.
- Por mim voltamos lá hoje. – disse Alaor.
- Isso!
- Ah não gente, por favor... – disse Pedro Júnior.
Sabrina olhou para Gioconda. Esta, por sua vez, olhou para Sabrina e depois para Pedro Júnior.
- Tá.
- Isso! – comemorou Sabrina.
- Bom, se a gente morrer, eu já sei em quem botar a culpa. – disse Pedro Júnior.
- Ninguém vai morrer. – disse Sabrina. – É só ir lá e dar uma olhada. E pronto.
- A crisma deve ser mais perigosa. – disse Alaor.
Eles se reuniram no anoitecer daquela sexta-feira, as três bicicletas uma ao lado da outra na estrada rumando à mata. Abasteceram-se de cerveja e maconha na clareira. Falaram menos do que o normal naquela noite. E então foram para o topo do morro de onde podiam ver o laboratório em pleno funcionamento.
- E aí, bora? – disse Alaor.
Antes que Pedro Júnior pudesse esboçar qualquer tipo de reclamação, Sabrina começou a descer o morro dizendo:
- Vamos indo pelo lado, pra ver o que tem.
Gioconda a seguiu, junto de Alaor e, mais lentamente, Pedro Júnior. Escorregaram controladamente sobre a grama umedecida pelo sereno e seguiram em fila pelo flanco esquerdo da instalação, o lado que ficava mais próximo à casa e a uma vaca estática. Ali, colado à tenda de plástico branca semitransparente do laboratório, estava um gerador que além de energia produzia também um barulho constante. Os quatro se aproximaram do gerador, atiçados pelas silhuetas que viam de dentro do laboratório como insetos atiçados pela luz. Puderam divisar formas humanas, jalecos brancos, e alguns equipamentos eletrônicos. Entreolharam-se, buscando respostas, mas ninguém conseguiu entender nada. Alaor puxou a fila para a tenda seguinte, onde encontraram mais pessoas de jalecos brancos, só que agora estavam sentados em frente a computadores. Seguiram para a tenda seguinte e, à medida em que se afastavam do gerador, conseguiram perceber vozes humanas. Em particular uma que, caso tivessem feito algum esforço, teriam ouvido já desde o gerador. Sabrina aproximou-se da tenda e percebeu que num canto dela havia uma fenda vertical e não pensou duas vezes em meter o olho nela.
Viu três homens sentados em volta de uma pequena mesa. Um era um homem grande e careca que Sabrina reconhecia da noite anterior, o outro era um rapaz magro com os olhos puxados e cabelos muito pretos, e o terceiro era o dono da voz alta: o autoproclamado jornalista Cláudio Bandeirante. Ele dizia:
- Então é isso, a gente te apresenta como homem do tempo. “Doutor Dezaki”, que tal? Ah, melhor: “Dezaki-san”! Fica ainda mais marcado na mente das pessoas.
Alaor fez uma careta ao reconhecer a voz, então olhou para Gioconda e sussurrou:
- É o teu chefe?!
Ela apenas fez que sim com a cabeça, confusa. Pedro Júnior tocou o ombro de Sabrina. Quando ela olhou para trás, ele fez um sinal de cortar o pescoço com a mão que era um pedido para ela parar e falou “chega” sem fazer barulho.
- Segue em frente. – disse baixinho.
Sabrina concordou, afastou-se da fenda e a fila seguiu. Deram a volta na última tenda e seguiram, passando por um trecho mais escuro, que se aproximava de um matagal. Ao chegar no outro canto, encontraram-se com outra tenda branca, mas desta vez havia duas pessoas de jaleco viradas de frente para algo que parecia uma maca. Aparelhos eletrônicos bipavam em volta, e Alaor foi o primeiro a notar uma silhueta com uma forma bem particular próxima ao lado deles. A luz de um refletor gritava na direção deles, e graças a ela só conseguiram perceber que era a silhueta de algo com duas orelhas triangulares e um focinho longo. Todos olharam pasmos para a silhueta.
- O lobisomem azul. Putaquepariu. – disse Alaor.
- Eles pegaram o lobisomem, eu não acredito. – sussurrou Pedro Júnior com a mão na frente da boca.
Alguém lá dentro falou algo sobre tirar um descanso, e então duas pessoas se mexeram. Uma delas foi na direção da cabeça, o que fez com que rapidamente os quatro começassem a correr de volta para onde vieram. Mas Sabrina percebeu que a pessoa apenas pegou a cabeça, sem esforço, e a levou para dentro do laboratório. Ela parou, e viu que outra pessoa de jaleco veio pro mesmo lado de onde estava a cabeça, porém agora afastou um lado da tenda para sair. Todos os adolescentes se abaixaram, na esperança de que isso fosse servir para esconderem-se. O homem de jaleco virou-se pro outro lado, de costas para eles, e deu uns passos para longe. Acendeu um cigarro e fumou, olhando pro céu. Sabrina olhou para o canto aberto da tenda, e depois olhou para seus amigos. Chamou-lhe a atenção o rosto suado e desesperado de Pedro Júnior dizendo “não” sem fazer barulho. Ela apontou para a abertura com um leve meneio com a cabeça. Alaor e Gioconda a seguiram quando ela foi na direção da abertura, mas Pedro Júnior precisou de alguns segundos extras para criar coragem e segui-los.
Pé por pé, Sabrina afastou a tenda de lona apenas o suficiente para entrar. A tenda era um cubículo e em seu centro de fato havia uma maca, e em volta havia aparelhos do tipo que ela já tinha visto em séries de médicos, um dos quais fazia um bipe incessante. Os quatro entraram vagarosamente enquanto seus olhos se acostumavam com a luz do refletor e estranhavam o cheiro de limpeza. Algumas pequenas estantes de plástico guardavam equipamentos de laboratório, uma mesinha branca tinha alguns papéis com anotações e tubos de ensaios cheios e vazios. Alaor se piscou e se aproximou da maca. Encontrou sobre ela alguém usando uma camisola hospitalar branca. Era um homem magro e totalmente desprovido de pelos na cabeça inteira. Dormia tranquilamente. Alaor não precisou de muito tempo para reconhecer o Matias da farmácia enquanto os outros se aproximavam da maca.
- O Matias?! Será que ele é o lobisomem? – sussurrou. – Não é possível.
- Mas será o que o lobisomem existe mesmo? – provocou Pedro Júnior.
Sabrina fez um “ssssshhh” e então chamou a atenção para uma abertura retangular que dava para dentro do laboratório. Os outros se entreolharam.
- Não, Sabrina. – disse Pedro Júnior. – Aí já é demais. A gente já viu o bastante. Chega.
Sabrina aguardou pela resposta dos outros, mas apontou para a porta como se seguir para dentro fosse a única coisa óbvia a se fazer.
- Foda-se. – disse Gioconda.
Deu de ombros e seguiu Sabrina, junto de Alaor. Pedro Júnior se agachou com a mão no rosto fazendo um som de desaprovação, mas depois se levantou e foi junto.
Sabrina pôs a cabeça pra fora da tenda e encontrou uma disposição de tendas que formava um corredor, que à esquerda dela dava pra outras tendas e pra entrada do laboratório e à direita dela davam para a tenda principal e para o que só podia ser o motivo da existência do laboratório. Ela parou o movimento quando viu Cláudio Bandeirante se despedindo dos outros dois homens com quem conversava, e ficou observando os dois entrarem de volta em uma das tendas. Então virou a cabeça para a tenda principal e arregalou os olhos quando viu algo, a mesma reação que seus amigos tiveram. Caminhou lentamente para dentro da tenda principal como se seus corpos fossem guiados pelo seu olhar. Encontraram uma pedra de dois metros e tanto de altura, mais escura que a própria noite porém com um tipo de casca reflexiva como vidro. Na verdade ela não era apenas escura, como se não tivesse nenhuma luz batendo nela: ela era o exato oposto da luz. A pedra parecia estar incrustada no chão, havia um pouco de terra em volta da base dela dando a entender que ela tinha caído e sido deixada ali. Sabrina aproximou-se daquilo sem entender e a cada passo que dava ia levantando o braço direito, como que criando coragem para tocar naquilo. Não fazia ideia do que ia acontecer com ela se encostasse, mas obviamente aquela era a única coisa a se fazer. Sua atenção estava toda na escuridão daquela pedra e seus dedos pareciam seguir o mesmo caminho.
- Sabrina, não! – berrou Pedro Júnior.
Arregalou os olhos e tapou a boca como se fosse adiantar de algo. Todos pararam e olharam para ele. Seu olhar pediu desculpas para seus amigos e depois começou a procurar onde se esconder mas a tenda era um quadrado vazio exceto pela pedra. Então foram vistos por alguém no começo do corredor. Sabrina, Alaor e Gioconda correram para um canto da tenda. Pedro Júnior estava parado com as mãos na boca na entrada da tenda principal e seu medo o impedia de sair dali ou de fazer qualquer outra coisa que fosse. Ouviu passos se aproximando dele. No canto, os três adolescentes tentaram puxar a lona para ver se conseguiam abrir um buraco, em vão. O único movimento de Pedro Júnior era o tremor de seu corpo e uma gota de suor que estava escorrendo em sua testa. Sentiu uma presença se aproximando dele.
- Que porra é essa? – disse uma voz profunda, vinda de cima de Pedro Júnior. Ele conseguiu se virar.
Encontrou um verdadeiro armário humano. Grande, careca e furioso. Ao lado dele, o rapaz oriental e mais atrás, um policial. Pedro Júnior percebeu que tanto o homem grande quanto o policial traziam armas de fogo consigo.
- Quem são vocês? – latiu o homem.
- Ninguém! A gente só veio olhar! – disse Pedro Júnior, caindo de joelhos diante da figura de autoridade, as mãos em posição de clemência. – Por favor, não faz nada com a gente! A gente só veio olhar, eu juro!
Sabrina olhou para Pedro Júnior, decepcionada.
- A gente não veio roubar nada não, senhor. – disse Alaor, tentando demonstrar certa calma. – A gente achou que isso aqui era um circo e veio olhar, só isso.
- Vocês não estão tão errados. – disse o oriental, pra ninguém.
O homem grande olhou pro policial e fez um sinal com a cabeça:
- Revista eles.
O policial assentiu e fez o que foi mandado. Apalpou as roupas de todos e terminou o serviço levando todos com as mãos na cabeça para o centro da tenda. Mostrou o resultado da revista ao homem grande: um isqueiro, meio cigarro de maconha e uma lata amassada de cerveja.
- Se quiser pode me revistar de novo. – disse Pedro Júnior, só pro policial.
O homem grande pegou com cuidado o baseado, o cheirou e depois o exibiu para os adolescentes.
- Vocês sabem que isso aqui pode levar vocês para a prisão, né. – disse.
Eles não falaram nada. A tensão no rosto deles era quase palpável. Apenas Sabrina parecia conseguir manter uma certa seriedade. Olhava sempre diretamente nos olhos do homem, meio que desafiando-o.
- E eu acho que vocês não vão querer isso na vida de vocês. Nem os pais de vocês.
Pedro Júnior teve a impressão de que o homem olhou pra ele no final da frase, e engoliu em seco.
- Vamos brincar assim. – disse o homem, e fez uma pausa. – A gente devolve vocês pras casas de vocês, completamente inteiros. E vocês nunca mais passam perto daqui ou falam sobre esse lugar ou essa situação. Que tal?
- Sim! Sim! – disse Pedro Júnior. – Eu aceito! – olhou para seus amigos. – Vamos! Chega disso, por favor.
Sabrina olhou para ele. Olhou para seus amigos. Olhou para o homem. Ele olhou de volta, sorrindo.
Naquela noite, a viatura fez quatro visitas. Em todas elas, com o giroflex aceso e com a sirene berrando sua presença, fazendo os vizinhos irem para suas janelas verem o que aconteceu e imediatamente elucubrarem sobre “o que o filho da fulana tinha feito”, “ele tá metido com droga”, “eles tão sempre bêbados por aí”.
Sabrina nunca tinha visto seu pai bater a porta do seu quarto com tanta força. A mãe de Alaor deu um sermão de meia hora sobre como ela não trabalha limpando a casa dos outros o dia inteiro pra ter que lidar com vagabundo em casa. Os pais de Gioconda não falaram nada mas ela viu a decepção no olhar deles. Os pais de Pedro Júnior não conseguiram terminar todo o sermão que queriam dar porque ele mesmo se castigou.
Ninguém dormiu o suficiente para acordar bem para a cerimônia da crisma no outro dia de manhã. Na igreja, os quatro e suas famílias se encontraram. Os quatro mal se olharam, mas seus pais se cumprimentaram vagamente como se nada tivesse acontecido. Sabrina passou a noite deitada em sua cama, olhando para o teto, lembrando de onde foi e pra onde não poderia mais ir.