Não Sei Desenhar #21 - 18/02/22
faz dois dias que tem alguém serrando alguma coisa aqui e não para nunca, eu vou aí te matar
Primeiramente bom dia
Vocês lembram do Kavinsky. Aquele cara que fez a trilha sonora do Drive há quarenta anos. Que meio que foi moda em cenas alternativas mundo afora. Que basicamente popularizou esse synthwave oitentista e que toca até hoje em videogame com temática cyberpunk.
O cara lançou uma música nova. Que é A MESMA COISA QUE ELE SEMPRE FEZ. Desde aquela época.
Olha vocês vão me desculpar mas
Em compensação a nova do Matéria Prima tá bem boa:
E a nova da Caroline Polachek também:
Só mais um só mais um: o álbum que o Macroblank lançou no final do ano passado, pra quem é do vaporwave/chillhop/trip-hop, eletrônico de boinha. Por sinal no Bandcamp dele tem links pra outros álbuns e EPs, inclusive pra uma pasta no Mega.nz pra baixar tudo que ele fez.
E agora, finalmente, futebol!!!!!
No final de semana passado tivemos a final do Mundial de Clubes.
O Clube da Esquina meteu 2x1 no Nintendo Club enquanto o Fã-Clube Brasileiro de BTS
Se você também AMA futebol, te desafio a recomendar esta newsletter para aquele seu amigo ou amiga que também AMA futebol, que todos sabemos que é um tema recorrente aqui da casa
Arredores recentemente:
Os japoneses realmente vão meter um SHIN JAPAN HEROES UNIVERSE. Ou seja, um universo compartilhado a la MCU só que com uma galera famosa de lá. É um troço que é real. Que realmente existe. No mundo palpável. Ou pelo menos em um site na internet.
Tudo encabeçado pelo Hideaki Anno, que dirigiu o Shin Godzilla em 2016, ano passado lançou o último filme de Evangelion (ambos muito bons), e que também tá metido com um Shin Ultraman e um Shin Kamen Rider.
Muito doido como juntaram coisas de quatro empresas diferentes e ainda sob a tutela do Hideaki Anno, o famoso OTAKU QUE DEU CERTO. O primeiro curta dele foi uma paródia de uma das séries de Ultraman e no próprio Evangelion tem muita coisa de Ultra. Aí ele foi lá e fez uma das séries de anime mais importantes da história. Fez um filme pirado baseado em um outro anime/mangá clássico. E agora tá aí.
(Pensando agora que a cena final do último filme do Evangelion pode ter ganho um novo significado com esse rolê todo…)
(Por falar nisso, li o volume 1 do Kamen Rider original do Shotaro Ishinomori e o cara é meio o Jack Kirby japonês mesmo né)
(parênteses)
Pedro - parte 1
(outras histórias passadas na cidade de Maravilha do Sul você pode encontrar nas seguintes edições anteriores desta newsletter: #14, #16, #17, #18, #19)
Pedro sonhava em ver o mundo em preto e branco. Achava que seria muito mais bonito. Os tons de cinza, o contraste. A acromatopsia, que pra todo mundo era uma doença, pra ele seria um presente. Fez o que pôde, então: pintou seu escritório em tons de cinza e arranjou móveis pretos ou brancos. A luz do dia atravessava as persianas formando faixas amareladas no preto e branco e formando um desenho angular na parede oposta. O ventilador de metal ainda girava, embora muito lentamente e sem motivo, fazendo esforço demais para pouco resultado. Pedro estava com os pés cruzados em cima da mesa, apoiando-se em sua cadeira de couro craquelada. Olhava para a porta de sua sala, uma porta que ele precisava que se abrisse mais. Aquela porta abrir pouco era o preço que a cidade de Maravilha do Sul lhe cobrava por ele ter um escritório de detetive particular. Chegou a trabalhar no mercado de sua mulher, Maria Antônia, mas não tinha jeito. Não era pra ele. Agora, passava a maior parte dos seus dias olhando para aquela porta, esperando que em algum momento alguma mulher chorosa usando vestido longo e um chapéu com uma redinha entrasse e lhe contratasse para investigar quem tinha matado seu marido, que por sua vez era um ricaço, e depois descobriria que ela tinha um amante e de repente ele se envolveria numa conspiração muito maior do que ele imaginava no começo. Então resolveria tudo com sua tradicional perspicácia e resiliência. A mulher iria acabar querendo ficar com ele no final mas sua moral o impediria. Ele era durão, afinal de contas. E então após resolver tudo, estaria novamente com os pés cruzados em cima da mesa, esperando a porta se abrir para que outra mulher resolvesse um caso envolvendo traição, assassinato e conspirações.
A porta se abriu e dela entrou um homem acima do peso, suado e ligeiramente desengonçado.
- Oi. – disse com a voz desafinada, então pigarreou e continuou: - Meu nome é Ezequiel. Você é detetive particular?
Era o que dizia a placa.
Pedro ia reclamar com sua secretária, mas olhou por trás de Ezequiel e viu que a jovem estava dormindo em sua mesa com o computador ligado com um jogo de Paciência pela metade. Pedro fez uma careta e disse:
- Sim.
- Hã, então. – Ezequiel foi entrando. – Você deixou seu cartão comigo. Eu fui na rádio outro dia, vim pra Maravilha do Sul procurar o meu pai.
- Ah! Você é aquele rapaz.
- Sim! – disse Ezequiel, empolgado.
Ficou de pé diante da mesa. Pedro não se mexeu. Ficaram se olhando.
- Bom, você poderia me ajudar a encontrar o meu pai?
- Ah. – fez Pedro, então tirou os pés da mesa e se ajeitou na cadeira. Anotou uns números numa folha de rascunho e a entregou a Ezequiel. – Esses são os meus valores. Mais gasolina e comida.
Ezequiel olhou o papel, fez algumas contas mentalmente e guardou, concordando.
- Bom, sente-se. Que informações você tem? Pra gente começar.
- Eu sei o nome da minha mãe. Marta Boaventura. Sei que ela nasceu aqui.
Pedro anotou. Ezequiel até tentou ler para ter certeza de que Pedro estava realmente escrevendo aquilo mas o garrancho era ilegível. Pedro parou e pensou.
- É só isso? Só isso mesmo que você tem? Nada sobre seu pai?
A placa de “Bem-vindo a Maravilha do Sul” estava parcialmente coberta pelo matagal mas ele sabia que estava chegando. Conhecia a cidade e aquela região como se fosse seu próprio quarto. A Renegade levantava poeira da estrada de chão à medida em que o General passava a quase cem por hora, determinado a chegar em Maravilha do Sul o quanto antes. Não voltava à cidade fazia quase um ano, desde a última festa de São Drogo. Sua careca quase batia no teto do carro e em alguns momentos chegou a bater mesmo com os solavancos da estrada esburacada. Não só não se importou como acelerou mais ainda, engatando outra marcha com sua mão gorda e quadrada. Fitou o horizonte, onde viu a cidade chegando. Fez uma careta de desgosto ao se dar conta da quantidade de problemas que deveria resolver ao chegar ali. Mas alguém tinha que fazê-lo.
Pedro foi na opção mais óbvia: o cartório. Falou com um amigo que trabalha ali e começou a fuçar nos arquivos. Demorou menos do que esperava para encontrar a certidão de nascimento de Ezequiel Boaventura, filho de Marta Boaventura e Antônio da Silva. Então fez mais algumas pesquisas e chegou a uma conclusão indesejada.
“Antônio da Silva
1965 - 2002
O melhor lateral direito do Maravilha Futebol Clube e um filho OK”
Era o que estava escrito no túmulo dele ao lado de uma fotinho em preto e branco, que mostrava um homem de rosto esquelético, com olhos assustados, um bigode fino e um cabelo que formava uma cachopa e quase batia nos ombros. O vento batia frio balançando o par de flores que Ezequiel colocava sobre o túmulo, encaixando-as num buraco específico pra isso. O tempo nublado parecia refletir a decepção no rosto tanto de Ezequiel como de Pedro. Olharam para o túmulo em silêncio. Ezequiel tentava não fixar os olhos naquela foto.
- É... – disse Pedro. – Era uma possibilidade que a gente tinha que ter em mente desde o começo.
- Sim, claro. – disse Ezequiel, quase sem abrir a boca. – Você acha ele parecido comigo?
- Hm, não... mas isso não quer dizer nada, tu pode ser ser mais parecido com a tua mãe.
- Sim. Claro.
O vento bateu com um pouco mais de força e as nuvens cinzas se moveram sobre o cemitério. Ezequiel olhava para o túmulo, um tanto desolado. Disse:
- E por que ali diz que ele era um “filho” OK? Ele não era um pai também?
- Bom, se como filho ele já era OK, imagina como pai.
Ezequiel concordou balançando a cabeça e erguendo as sobrancelhas. Pedro pôs a mão em seu ombro e deu uma apertada. Deixou Ezequiel sozinho e partiu para esperá-lo na entrada do cemitério, para assinar o recibo.
O bar da Márcia tinha uma mesa num canto que ficava especificamente mal iluminado. Era lá que Pedro gostava de sentar, com seu rosto na penumbra, envolto em mistério, tomando uma garrafa de Nova Schin. Era o fim de mais um dia em que seu trabalho não tinha levado a muita coisa. O caso fora resolvido, mas da forma mais pedestre possível. Pedro se viu sonhando alto demais mais uma vez. Apoiou seu rosto na mão que segurava o copo e fechou os olhos, sentindo uma dor que não existia.
- Investigando o caso do tal do Boaventura? – disse uma voz rouca vinda do balcão do bar.
Ezequiel abriu um dos olhos. Viu Zélio, aquele homem de camiseta regata de um vermelho desbotado, suando, um bolo de carne que parecia ter sido jogado sobre o banco do bar e estranhamente tinha conseguido equilibrar. O corpo de Zélio girou ligeiramente, fazendo o banco dar um grito estridente e desesperado.
- Resolvi já. – Pedro voltou a fechar os olhos. - O pai do guri tá morto. Um tal de Antônio da Silva.
- Antônio da Silva? O Toninho? Um meio magrelo?
- Isso.
- Jogava no Maravilha, trabalhou um tempo no observatório lá.
- Pode ser, não sei.
- Como é que pode, né... – Zélio parou pra tomar um gole de cerveja enquanto olhava para o nada, pensativo. – Tava aqui pensando. Engraçado. O Toninho fazia uns trabalhinhos por fora pro General. O General apareceu aí na cidade hoje.
Houve alguns segundos de silêncio.
- Inacreditável. – disse Pedro. Então ergueu sua garrafa, sinalizando para Márcia lhe trazer outra.
- Mas o que importa é o seguinte... – continuou Zélio. Fez mais uma pausa. Pareceu morrer por alguns segundos. Voltou à vida. – O General se chamava Boaventura.
Pedro fez uma careta.
- Como assim?
- Isso. General Luís Geraldo Garcia Albuquerque Boaventura. Disso ninguém lembra.
Pedro mexeu a cabeça pro lado como um cachorro que não entende o que está acontecendo na frente dele. Se arrumou na cadeira. Um grande ponto de interrogação lhe acertou a mente.
- E o Antônio fazia uns trabalhinhos pra ele?
- Sim. Jardinagem, faxina, umas coisas assim. Esse rapaz limpava um terreno como ninguém. Tu precisava ver. Ninguém em Maravilha do Sul limpava um terreno como o Toninho.
Pedro fez uma careta ainda mais forte. Perguntou antes que Zélio pudesse continuar a falar:
- E o General era o quê da Marta?
- Eles casaram no civil em 14 de julho de 1998. Eu lembro porque na época o cartório era do lado aqui do bar, a escrivã era a Maria Odete. Lembra da Maria Odete?
- Não.
- Ela era bonitona, na época. Parece que o General tinha namorado com ela um tempo aí, por fora do casamento.
A garrafa fez um barulho alto quando Márcia bateu com ela na mesa de plástico. Pedro levou um susto e viu o rosto de Márcia ficando vermelho. Achou curioso, mas voltou a Zélio:
- E agora o General tá na cidade?
- Sim, chegou hoje e parece que já marcou um joguinho ali com os veteranos do Maravilha.
Pedro tomou um gole da cerveja e limpou a boca.
- Engraçado...
CONTINUA…