Esse filme da Fórmula 1 é um daqueles em que parece que quase dá pra ver as cordas dos titereiros se movendo acima das cabeças dos atores e dos carrinhos e tal. É difícil pra mim não ver ele sob um olhar meio cínico, diante de todas essas propagandas saltando o tempo inteiro, e do filme inteiro sendo uma propaganda por si só; e fica mais difícil ainda porque o filme em si não é lá grandes coisa. Dá pra saber exatamente pra quem esse filme é feito: marmanjos de meia-idade que curtem carros (óbvio), roque de divorciado e “filmes daquele tempo” (anos 80). Então tem muita bobajada que eu não consegui deixar passar.
Eu queria muito ter gostado mais das cenas de corrida, e eu acho que o Joseph Kosinski toma umas decisões bem legais no geral, mas ainda assim meio que não foi o suficiente. A edição não ajuda muito também, às vezes o ritmo é meio confuso.
Muita gente por aí tem se perguntado o que Hollywood vai meter já que supostamente os filmes de super-herói tão saturados e saindo de moda, e acho que a Barbie e esse F1 são a resposta do momento: filmes de marca. Qualquer marca. Pensou marca? Vai ter um filme. Hot Wheels, Polly Pocket, Silvio Santos, Chespirito, Barney o Dinossauro, McDonald’s, Coca-Cola, Betano, Sadia, Casas Bahia, Farmácias Panvel, Supermercados Moniari, tudo isso vai ter um filme um dia.
e também não vi ninguém F1 no filme!!!!!! kkkkkkk rsrsrsrs
Bonzão o álbum novo do Panchiko, melhor que o álbum deles de 2023, o primeiro depois da volta da banda. Pra quem não lembra/tá ligado, era uma banda que tinha lançado um álbum lá por 2000 e depois meio que acabou, sendo trazida de volta depois de ser redescoberta por Malucos Da Internet. O álbum original era uma sonzeira e esse novo parece pegar muito desse original e atualizando muita coisa. Lembra Radiohead, Super Furry Animals, Grandaddy e coisaradas afins. As melodias são quase fofas, bem bonitas no geral, mas o instrumental às vezes é torto e sujo, e a coisa toda acaba combinando de um jeito bem próprio. Já tá na lista dos melhores do ano.
Nunca tinha ouvido esse EP do Omar Rodriguez-López (do Mars Volta e At The Drive-In) com o lendário Damo Suzuki (do Can, banda de krautrock dos anos setenta), de 2007. Doideira guitarreira jazzística às vezes mais pesado e às vezes mais suave.
Novas do Joey Valence & Brae e uma é uma pedrada clássica mas a outra é um lance meio deprê cheio de synth sobre envelhecer? “No one here wants to dance, things are changing”. Fiquei curioso pro álbum cheio.
Pink Squirrel (parte 4)
Na verdade, provavelmente era a pior ideia que Antônio já tinha ouvido na vida. Ainda pior do que aquela vez que o Jota lhe convidou pra tomar algum chá multicolorido que só resultou num banheiro vomitado que ele fora obrigado a limpar, o exato oposto de uma viagem psicodélica.
Era uma proposta muito simples. Ailton lhe explicara com calma, para ter certeza que Antônio entenderia toda a lógica e concordasse com ela.
Contou sobre a empresa em que ambos trabalharam vinte anos atrás. Contou sobre como era trabalhar lá, entregou quanto ganhava (não o suficiente). Falou sobre o dia-a-dia, as experimentações escusas que era obrigado a fazer. A fachada de empresa farmacêutica ou qualquer coisa parecida. A cidade era pequena, ninguém se importava realmente. Contou sobre o dono da empresa. Muito rico, embora extremamente recluso. Dava as caras muito de vez em quando, comparecia nas festas de final de ano para cumprimentar todos os empregados mas sua simpatia não passava disso. Vinha de uma cidade do oeste catarinense de colonização alemã e tinha o sobrenome Forchhammer, mas era chamado pelos funcionários de Galego. Não que ele soubesse disso, claro.
Ailton precisava do dinheiro. Dois filhos para criar, aluguel, a esposa não ganhava muito. Fizera tudo que lhe mandavam, contra sua vontade. Ailton nunca esqueceu. Esse trecho da história ele contou de cabeça baixa, envergonhado.
Antônio tentava prestar atenção em tudo mas essa atenção parecia ter um limite. Sentia uma dor de cabeça cada vez mais forte e espasmos musculares aleatórios.
— Eu convivo muito tempo com a culpa de ter feito esses experimentos todos — continuou Ailton. — Teve gente que morreu nas minhas mãos por causa disso. Mas eu… eu não quero mais isso, eu quero consertar as coisas.
— Pra isso, você continuou os experimentos na gente. — Antônio estava de braços cruzados e os pés batendo no chão.
— Se eu não tivesse inoculado o composto de novo, tu teria morrido. Não só tu como os outros.
Antônio olhou para o seu lado direito e viu o homem mascarado e a motorista, acompanhando a conversa.
— Se eu não inoculasse o composto no momento certo, o composto original teria te gerado um câncer brutal, bello.
— Hum — fez Antônio. — E a ideia?
Ailton se empertigou e limpou a garganta. Quando a coragem para falar se instalou, ele disse, olhando para as próprias mãos:
— A ideia é que tu e aquele casal ali sequestrem o Galego e tragam ele pra cá.
— Pra fazer o quê com ele?!
Ailton não respondeu de imediato.
— Resolver as coisas.
— Vai matar ele? E porra, sequestrar? — Antônio falava com os braços. — Tu tem algum fetiche com sequestrar? Todo mundo aqui foi sequestrado?
Antônio olhou para o casal no canto. Eles só fizeram que não com a cabeça. Voltou-se para Ailton.
— Como isso vai resolver qualquer coisa?!
— Não sei. Ainda. Mas é um… primeiro passo.
Antônio levantou e caminhou pelo galpão com as mãos na cintura, se perguntando onde tinha se metido e como isso foi acontecer com ele.
Ele só queria um domingo de descanso.
Um minuto e meio de silêncio depois, Antônio virou-se para Ailton.
— E como você pretende pegar esse cara?
Ailton abriu um sorriso.
— Ainda bem que tu perguntou.
Ailton pegou um arranhado notebook Acer de um canto, ligou-o e esperou três minutos até poder usá-lo, então clicou em um dos vários ícones que abarrotavam a área de trabalho. Dois minutos depois, apontou o dedo para o monitor rachado, dizendo “tá tudo aqui”. O primeiro slide do PowerPoint, de fundo vermelho berrante com letras pretas, ostentava o título da apresentação: “Indo atrás do Galego”. O slide seguinte começava a contextualizar. O Galego sairia de sua reclusão: dali a quatro dias, participaria de um evento beneficente que ocorreria no clube da Sociedade Recreativa da cidade, um evento anual “tradicionalíssimo”, segundo Ailton. “Só a nata da sociedade vai estar presente”. Os três, Antônio e seus sequestradores, agirão em conjunto. Isso foi mostrado num infográfico azul e verde sobre um fundo amarelo, fonte Times New Roman.
— Aqui, nos tratamos por codinomes — explicou Ailton, apontando para o homem mascarado e para a motorista. — O dele é Caligo, o dela é Musidora.
— E o meu?
— … Antônio.
O mapa do clube apareceu em um slide seguinte. O Galego chegaria acompanhado apenas de seu motorista. Para não levantar suspeitas, o Galego será levado somente no momento em que for embora, quando estiver esperando o carro para sair.
— Depois é só trazer ele pra cá — completou Ailton, sorrindo orgulhoso com seu trabalho.
O último slide mostrava uma foto coberta de logotipos do ShutterStock com um homem fazendo um joinha e ao seu lado, em Comic Sans, um “BOA SORTE!”.
Antônio estava sentado apoiando os cotovelos nos joelhos, as mãos pressionando as órbitas dos olhos. Massageou a si mesmo por alguns segundos, respirando fundo.
— E quanto eu vou receber nessa brincadeira?
— “Quanto”? — Ailton fez uma careta. — Antônio, isso aqui não é por dinheiro. É algo muito maior, não tá vendo?
Antônio continuou de cabeça baixa, olhando para fosfenos, sem dizer nada.
— Eu posso ver alguma ajuda de custo, mas não tenho muito pra oferecer. — Ailton se aproximou de Antônio, lenta e pacientemente. — A gente precisa de ti nisso aqui, bellinho.
Antônio seguiu silencioso por alguns segundos, até que disse:
— Então eu vou sair daqui, ir pro meu trabalho, depois trabalhar de novo pra vocês, cometer crimes, arriscar minha vida por que você se sente culpado por algo que aconteceu há trinta anos atrás?
Ailton, as mãos atrás do corpo, pensou no que dizer.
— Bom, pelo menos o risco de vida é quase nulo, agora que você tem os dois compostos inoculados! — Ele deu um sorriso amarelo.
Mais essa ainda.
Antônio viu Caligo se levantar e estalar seus dedos grossos. Parecia olhar firmemente em seus olhos através da máscara, acima de seu corpo de mais de dois metros de altura.
Talvez ele não tivesse muita escolha.