Não Sei Desenhar ɿ190 - 27/06/25
190!!! Lembra "Emergência 190". Hahaha. É engraçado porque era um programa de TV de 30 anos atrás. Ai ai, só vocês mesmo
Essa rodada da Copa do Mundo de Clubes foi meio pá né? Não teve grandes momentos assim. Me parece. Mas pelo menos o mata-mata vem aí. Aí, amigos…
Bonzão esse vídeo novo do Ora Thiago, como ele coloca várias questões do cinema brasileiro em perspectiva.
Novo do Don L tá bem bom, altos instrumentais variados e como um todo um belo retrato de como é viver no Brasil de hoje - sem perder uma certa malandragem também.
Tem essa banda chamada Tietê. Uma banda nova, meninada jovem. Tão pra lançar álbum novo e eu tô curioso pra ouvir. O álbum anterior é esse a seguir, de 2022 que, veja bem: não é ruim. Mas não é bom. O instrumental funciona muito, é muito criativo, mas as letras plmdds. Tem umas coisas ali que não dá. Rimar “rolimã” com “rola, irmã”. Sei lá. Mas a tendência é melhorar, vale ficar de olho.
Pra continuar em sons brasileiros: o segundo álbum do Ivan Lins, Deixa O Trem Seguir, de 1971, é bonitaço. Algumas das melodias e arranjos mais legais dele tão aqui.
Pink Squirrel (parte 2)
Antônio viu a motorista em seu canto e só então notou que ela estava trajando um uniforme rosa de bailarina, a saia caindo sobre uma calça preta de academia. Tinha o corpo magro e pálido, talvez esverdeado. Ela olhava para fora um pouco entediada, como se aquilo fosse um dia normal na vida dela. Talvez fosse. Não viu mais o homem mascarado, mas conseguia sentir sua presença. Assim como a do homem de guarda pó à sua frente, se aproximando com sua seringa que, por si só, parecia uma arma.
Ignorando a própria pergunta, ele se aproximou do braço direito de Antônio, que se retesou. Seu corpo tentou ignorar as leis da física, apertando-se contra as costas da cadeira, tentando desviar, como se fizesse diferença. As mãos do homem mascarado impediam a cadeira de se mexer.
— O… — disse Antônio, num arroubo de eloquência.
— Uhum — fez o homem de guarda pó, passando um pano umedecido no braço direito de Antônio.
— O que é isso? — gritou Antônio, por fim. — Que porra é essa? Quem são vocês? O que tem nessa seringa?!
— Ah bello… muita pergunta assim junta…
O homem apontou a seringa para o braço. Antônio se mexia demais. O homem fez um sinal com a cabeça para o mascarado, este segurou Antônio com mais força, deixando seu braço estático.
— Não não não porra, não, comigo não…
Antônio continuou a falar e berrar e negar, mas nada disso parecia impedir a seringa de se aproximar e perfurar sua pele.
Ele não tinha medo de agulha, nunca teve. Já doou sangue algumas vezes, sempre visando o lanchinho que vinha em seguida. Teve um emprego certa vez que lhe permitia ter um plano de saúde e consequentemente fazia check-ups anuais. Era a época das vacas gordas, muito diferente das vacas atuais. Seu braço inclusive não estava particularmente gordo. Não havia muita coisa entre a ponta da agulha e a corrente sanguínea. Talvez gordura acumulada. Meses e meses de cerveja e comida de micro-ondas armando um assentamento sobre aqueles músculos improdutivos.
Nada disso impediu Antônio de sentir a maior pontada que sentira na vida até então. Ele berrou um berro de dor e de desespero que parecia querer expurgar a tensão toda daquela tarde de domingo. Sentiu um demônio dentro de si, gritando junto com ele, incapaz de se soltar e de debulhar a cara daquele marmanjo de guarda pó com suas garras milenares.
Depois de uma hora ou de alguns segundos, Antônio percebeu a seringa ser puxada de sua pele.
— Pronto, pronto — disse o homem de guarda pó. — Não foi tão ruim, né?
Ele se afastou e jogou a seringa num lixinho, junto das luvas de borracha.
— O meu nome é Ailton, aliás. E o teu?
Mas Antônio já tinha desmaiado.
Acordou num pulo. Horas depois, talvez? Era a sensação para Antônio. Sonhara que caía de muito alto, como se tivesse saltado de um avião, sem pára-quedas. Quando atravessou as nuvens, deu de cara com o mar, cuja água estava alaranjada e leitosa. Caiu vivo na água, nadou até a superfície e procurou por terra. Encontrou, e percebeu que junto com ele uma barbatana passeava pela água. Quando acelerou seu nado, a barbatana o seguiu numa velocidade cada vez maior. A barbatana demonstrou pertencer a um tubarão, ainda que não um tubarão normal: era um tubarão demoníaco, envolto em bolhas de pus e sem pele, olhos vermelhos e uma coleção de dentes afiados e gigantescos que pareciam crescer cada vez mais e tomar sua visão em questão de milésimos.
Estava arfando, suado, no meio da umidade do galpão no meio do mato. Via-se agora num cômodo menor, sem janelas, numa cama de palha. Parecia um quarto improvisado naquele estábulo. Ou talvez tivesse sido pensado para isso? Pensado para ele, especificamente, talvez?
Não demorou para a motorista entrar, oferecendo um copo d’água. Antônio aceitou sem pestanejar e bebeu tudo em goles longos. Devolveu o copo e agradeceu.
— Quando injetaram em mim — disse a motorista, dando um ligeiro susto em Antônio. A voz era rouca porém firme —, eu senti um gostinho de AAS Infantil. Você sentiu também?
Antônio fez uma careta, pensativo. Depois fez que não com a cabeça.
— Que pena. Devem ter mudado a fórmula então.
Ela saiu, e Antônio ficou pensando no que ela disse. O que foi que enfiaram nele? O que era tudo aquilo? Então se deu conta de uma coisa: não estava mais algemado. Provavelmente não fora uma obra do acaso. Eles simplesmente esqueceriam a algema? Alguém deve ter tirado dele. Ele estava livre agora. Intuiu que poderia simplesmente sair andando pela porta da frente, e foi o que tratou de fazer.
Botou a cabeça pra fora do quarto. Dava no espaço maior, onde o Ailton tinha lhe agulhado. Não havia ninguém. A luz mais pálida da rua indicava que a tarde já estava começando a desvanecer. Antônio observou em volta e não viu ninguém. Era a hora de folga deles? Mesmo sequestradores deviam ter um horário pra tomar um café, uma possível exigência do Sindicato dos Sequestradores. Pé por pé, Antônio atravessou o cômodo e seguiu pelo portão esgaçado à sua frente, como que lhe chamando. Desconfiado, procurou uma saída do lado de fora. Era um sítio, inclusive muito bem cuidado, com uma casa antiga de dois andares na entrada, ao lado uma horta, mais atrás um açude, um galinheiro um pouco mais além. Antônio pensou ter visto um trator estacionado num canto. Não viu o furgão em lugar algum. Caminhou fazendo o mínimo de barulho que conseguia pelo caminho de chão batido, visualizando a entrada do sítio. Antes de atravessar o portão enferrujado que dava para a estrada, Antônio parou.
“Isso é o que eles querem que eu faça”, pensou. Seria muito óbvio, ele seria encontrado em menos de dois minutos. Ele era mais esperto que isso, ele era mais esperto que eles. Não tinha a menor dúvida.
Havia, ao norte da casa, onde ele ainda não tinha prestado atenção suficiente, um milharal que descia um morro. Largo o suficiente para qualquer um se perder.
O homem mascarado tomava um gole de café com leite enquanto via, pela janela da casa, um apressado Antônio se enfiar pelo milharal.
— Ele entrou no milharal — disse.
Ailton estava sentado à mesa farta com o café da tarde. Tinha muitas opções para apenas três pessoas: pão francês, pão caseiro, pelo menos dois tipos de geleia, uma cesta com laranja, banana e maçã, uma garrafa térmica quase cheia de café, leite integral e umas bolachas. Ele comeu um pedaço de rosca de polvilho, e falou com a tranquilidade da boca cheia:
— Pode ir.
Seu colega terminou a bolacha da vaquinha que vinha comendo, baixou sua máscara e saiu.