Um clipe muito pouco lembrado dos anos 80 mas que é ao mesmo tempo muito impactante e um dos melhores exemplos da época é o de Love Missile F1-11 do Sigue Sigue Sputnik:
O SSS tinha todo esse lance full pós-modernismo e ironia, se colocando como popstars quase que autoproclamados, um destino manifesto musical levado às últimas consequências, mas criados pra zoar a ideia do que é ser um popstar. A iconografia deles remete ao mesmo tempo à União Soviética, a anime e à estética cyberpunk, inevitavelmente. É como se eles fossem de fato um bando de punks que veio do futuro pra assombrar a sociedade dos anos 80 - a primeira cena do clipe em que eles aparecem juntos remete diretamente a Laranja Mecânica. Eles são uma ameaça. Eles são personagens, astros de um filme de ação que não existe, portando metralhadoras com seus cabelões e roupas extravagantes enquanto andam em suas limusines. São visados por computadores, entram na mira talvez do exército ou algo assim; moram na repetição eterna que é o clipe dessa música, como se alguém estivesse passando os canais num aparelho de TV e tudo que se vê são eles. Tudo isso no meio do pré-apocalipse nuclear da era Reagan. Eles são produtos e sabem disso: estão jogando o jogo da indústria fonográfica da forma mais descarada possível. O negócio era provocar.
O som ia por um caminho parecido: um punk new-wave doido mas um tanto repetitivo cheio de samples (um exemplo raro do uso do método na música pop da época), o que parece ser uma evolução em relação ao que o cabeça da banda, o Tony James, fazia na época do Generation X, a banda que ele tinha com o Billy Idol. E ainda foram produzidos pelo Giorgio Moroder.
Eles chegaram a aparecer no Faustão:
Hoje em dia, quem lembra deles?
Pois é.
Segue o álbum completo deles pra quem quiser ter uma noção (com direito a inserções comerciais vendidas pela banda no meio das músicas):
Eu já gostei mais da banda e continuo achando o clipe um dos melhores dos anos 80, do jeito deles, mas a sensação geral que eu tenho ainda é que sonoramente a ideia poderia ser melhor explorada.
Ainda no ramo do cruzamento de rock com eletrônico, saiu o novo do Model/Actriz:
Um Conto de Duas Cidades, do Dickens, é uma história sobre o surgimento da classe média? No sentido de nos focarmos em personagens que estão no meio da revolução, nem extremamente ricos nem extremamente pobres, talvez no caminho do que a famosa frase inicial do livro propõe.
Curioso como é cinematográfica a forma como o Dickens escreve, como ele vai criando os climas de forma muito visual, como cria cortes de cenas de forma quase imperceptível. A história se desvela aos poucos, as locações são quase tão importantes quanto as pessoas. Temos uma noção do todo a partir de um pequeno grupo de personagens, e como esse todo influencia diretamente a vida deles. Ao mesmo tempo que tudo é muito novelesco, de certa forma exagerado, a escrita acompanha e torna tudo muito bonito.
Esse tal de Dickens aí vai longe.
The Pitt, a série, parece concatenar todos os traumas e dramas recentes da sociedade americana, colocando tudo em discussão no meio de situações, com frequência, de vida ou morte, tornando tudo mais extremo. O funcionamento do hospital em si parece um símbolo da falência institucional do país. Não deixa de ser curioso que o hospital esteja prestes a ser vendido.
Como alguém já falou, é um The Wire de hospital, mas acaba tendo algo de 24 Horas também, já que cada episódio se passa a grosso modo durante uma hora de um único dia. Pra além disso, a costura dos dramas acaba sendo claramente um esforço bem complexo, mas que funciona muito bem. A sensação é de que sempre tem algo pior pra acontecer a qualquer momento, e com frequência acontece. O Dr. Robby, o protagonista, claramente vai quebrar em algum momento e quando vem é um tanto devastador no meio de tudo que tá acontecendo em volta. A pressão de funcionar perpassa todo mundo ali.
Tudo é filmado de forma direta e simples. A sensação é de que por mais que tudo esteja ocorrendo o tempo todo, o tempo não passa direito. Em um dado momento os personagens recebem um lanche pro almoço e aí te faz pensar “pois é, tem a questão do almoço né”. Em um certo sentido é um pouco um retrato dos nossos tempos atuais: os personagens precisam lidar o tempo inteiro com trocentas urgências e histórias concomitantes, e no meio disso tentam se conectar com outras pessoas e fazer seu trabalho do melhor jeito possível, mas o trabalho claramente os está corroendo.
Pra quem não tá ligado, tem na Max.
ebola