Em Elegia de Osaka (de 1936), o Kenji Mizoguchi parece querer filmar a solidão inerente aos tempos modernos (de 1936). Os personagens todos parecem viver sob o jugo da cidade, da da industrialização, da sociedade, às vezes da própria família. Os enquadramentos frequentemente preocupados com linhas diagonais poucas vezes coloca os personagens como centro da cena. A câmera ágil do Mizoguchi parece filmar com a distância de alguém que acompanha uma fofoca se desenrolando em tempo real. Quase não há close-ups, e consequentemente os poucos que ocorrem acabam sendo muito impactantes.
O Mizoguchi parece querer retratar uma turbulência social, uma guerra silenciosa que se desenrola entre família, amor, necessidade, moral, e o papel da mulher na sociedade. A elegia de Osaka do título, no fim, pode ser sobre a cidade em si como pode ser sobre a protagonista: tanto ela quanto a cidade parecem terminar mortas em vida, apenas um fantasma do que eram no começo da história. Tem algo de moralista no rolê todo, é claro, mas não dá pra negar a beleza da forma como tudo é tratado.
Tem no Belas Artes À La Carte mas também tem versões no Youtube (não sei até quando), aqui embaixo tem em português mas quem quiser ver em 4k e com som restaurado tem essa em inglês também.
Tem novo do Snapped Ankles rolando: lembra muito algo de um industrial soturno porém dançante na linha do Front 242 mas também pega muito de big beat noventista, principalmente de Prodigy. Será que tamo vendo um revival do big beat? Tomara que sim, tava na hora já.
A saber: o big beat era aquele gênero de música eletrônica bem “corpulento”, cheio de batidas influenciadas principalmente pelo hip-hop mas que com frequência bate no house. No auge, os mais famosos eram o Fatboy Slim, o Chemical Brothers e o Prodigy, mas correndo por fora ainda tinha o Propellerheads, que infelizmente só lançou um álbum…
(e que tem outros hits como Aquela do Matrix, e a pedrada que é Bang On)
… o Wiseguys…
… o Lo-Fidelity Allstars…
… fora o Crystal Method, o Junkie XL (que depois foi fazer trilhas sonoras com as do Mad Max Estrada da Fúria), Paul Oakenfold, Bentley Rhythm Ace, Groove Armada, bem conversadinho o Les Rythmes Digitales (que produziu pra Madonna)…
Entre os famosos na verdade teve ainda o Armand Van Helden (por mais que sua inclusão no gênero esteja numa área cinza, falta acertar com o sindicato). Ele é pouco lembrado mas produziu vários hits poderosíssimos. Eu lembro de quando tinha uns nove anos de idade cheguei a ligar pra rádio pra pedir pra tocar The Funk Phenomena.
E, pô, You Don’t Know Me???? Forte demais
Fora a fase anos 2000 dele, que tem aquela com o Dizzee Rascall que é muito foda, e aquela outra cujo clipe rolava na MTV vez por outra e que já tava quase batendo no poperô summer electro hits - o que por mim tudo bem.
Mas eu divago. Agora jazz-rock argentino dos anos 70
Este texto da Maggie Smith sobre abraçar a imperfeição.
Ela usa a metáfora um tanto desgastada do método do kitsugi, aquele no qual os artesãos japoneses pegavam pratos quebrados e cobriam as rachaduras com ouro, mas ainda assim o texto é bom e válido
The artist doesn’t hide the cracks, but fills them with lacquer dusted with powdered gold, silver, or platinum, so that it gleams where it was pieced back together. The artist honors the object’s history — what it went through to become what it is now, including being broken. And the artist gives the object new life.
Não acho de maneira nenhuma errado passar por várias versões quando se escreve ou produz algo e também acho que escrever um “vomit draft” simplesmente jogando todas as ideias ali só pra ter algo e ir ajeitando depois é um método extremamente válido. Mas depois de ter lido o Several Short Sentence About Writing, do Verlyn Klinkenborg, uns meses atrás, tenho percebido mais que o meu método é outro. Muita gente considera errado mas pra mim funciona: ir editando enquanto escreve. Não só porque isso elimina algumas possíveis rodadas de edição futuras como faz o cérebro funcionar e tentar achar a melhor frase ou construção possível o quanto antes. É claro que isso pode gerar algum atrito, mas segundo o Klinkenborg, a ideia é mais ou menos essa mesmo. Escrever com calma, pensando, analisando, fazendo a frase certa chegar. O foco dele é muito a sentença em si, tentar buscar a beleza dela por si própria. Provavelmente não funciona pra todo momento ou pra todo mundo, mas vai que né.
A proposta do Klinkenborg não contradiz o texto da Smith, na minha cabeça as duas coisas andam juntas porque o ponto não é alcançar a perfeição. Eu passei a acreditar que o que a gente produz é, inevitavelmente, fruto do momento em que a gente tá enquanto faz a coisa, é quase que um documento do que quer que a gente esteja passando enquanto faz aquilo. Então as imperfeições fazem parte do processo.
Isso conversa um pouco com uma das várias canetadas do Oliver Burkeman em sua newsletter, um texto recente dele em que ele fala sobre “pré-condições tóxicas”. Pequenos requisitos que a gente acaba se impondo antes de produzir as coisas, como “só posso escrever se for na minha mesa, com a luz do sol batendo a 45 graus”, ou coisa assim. Lógico que certas condições ajudam e facilitam o processo, mas o mas importante é ir lá e meter a mão na massa, na medida do possível.
Se não der também beleza.
Dito tudo isso, fique agora com um desenho meu do último personagem de RPG com o qual eu joguei, o Kim-Lu, um monge adolescente calvão de cria