A Tree of Palme (ou Parumu no ki), de 2002, dirigido pelo Takashi Nakamura, é meio que uma daquelas pérolas perdidas no meio de toda a produção de animes.
É uma versão da história do Pinóquio, por meio de um imaginário que puxa de Moebius a Hayao Miyazaki. Um pós-apocalipse steampunk cheio de imagens doideira. Como toda versão do Pinóquio, é um conto sobre crescimento e sobre o que é ser humano, e aqui se mistura ainda um lance mais social também e sobre a importância da natureza nisso tudo, e como o luto (e vencê-lo) passa por tudo isso. E também mommy issues. Tem uns momentos bem impressionantes de animação - o final em particular tem algo de Akira.
Achei nem lembro onde, e só com legenda em inglês. Desculpa aí galera.
O Justiceiro (no original, My Father is a Hero, ou Kap ba ba dik sung, de 95, do Corey Yuen) é um filme que não só parece não parar, como tudo que acontece parece que é imediatamente esquecido pra que a história siga pro próximo acontecimento. O Yuen tá sempre em busca de algo novo e surpreendente, na medida do possível. Pouco funciona em termos de drama, mas a pancadaria vale a pena (meia estrela no Letterboxd é só por causa da luta final). O Miao Xie, que faz o filho moleque do Jet Li, não só luta um kung-fu brabíssimo como ainda apanha muito bem, como um bom dublê. A história envolve um tropo clássico do cinema de ação de Hong Kong da época: policiais infiltrados e as questões que acabam envolvendo tudo isso. Aqui, a família acaba tendo mais importância, de seu modo. Tem umas cenas de ação com uns planos meio fechados demais mas quando resolve abrir pra mostrar os astros em ação, a galera brilha muito. Jet Li tá quase numa chave Jackie Chan aqui.
Tem no Prime Video.
Mais um emaço/post-HC/slowcore dos anos 90 desenterrado pela Numero Group: a discografia completa do Boilermaker, que inclusive tá saindo em vinil. Aqui um dos melhores dos caras:
Dois filmes sobre memória, e cinema como memória, e politicamente problemáticos:
Estranhos Prazeres (Strange Days, da Kathryn Bigelow, 1995) é um noir quase cyberpunk que lida com um traficante de emoções. Existe um esquema que permite que as pessoas registrem memórias - não só o que foi visto e ouvido como num filme ou vídeo, mas tudo que o cérebro sentiu no momento - e as coloquem em minidiscs. Esse troço vira tipo uma droga e seu uso é clandestino. As pessoas querem pagar por emoções cada vez mais moralmente erradas, só pelo prazer. Inclusive me parece que a Bigelow se interessa muito pelos limites morais e como atravessá-los pela busca da ADRENALINA, vide o policial-que-vira-ladrão em Point Blank. A maior força do filme me parece essa: esses registros sem cortes nos são apresentados como se nós mesmos estivéssemos usando os aparelhos do filme e isso resulta em cenas bem pesadas.
É um registro bem claro dos anos 90 e das tensões da época, seus temores e o que estava em voga: o anseio da virada do milênio, “o vídeo” extrapolando os limites do ser humano, o “fim da história”, o rock alternativo (o Skunk Anansie aparece em cena). Existe um certo nível de bobiça que acaba sendo charmoso: vários personagens importantes tem nomes que parecem querer significar algo a mais (Faith, Nero, Jericho One, Philo), os diálogos tem umas piadas bobas e a forma de lidar com tudo é meio assim também. Tudo isso se conecta a questões políticas que o filme trata de um jeito troncho no fim das contas, talvez meramente “ingênuo” como ouvi alguém comentar num podcast. O gosto fica ligeiramente amargo mas o resultado vale muito a pena.
Curioso perceber que a ideia e o roteiro são do James Cameron, que entregou o filme pra sua então esposa dirigir.
Esse pôster é bem estileira
Tem na Filmicca.
E aí claro tem o filme brasileiro que é a mais nova coqueluche da galera, Ainda Vou Estar Estando Ali. Aqui o registro de imagens se torna peça-chave na manutenção da memória, quase que como a única via possível pra ela na verdade, e o filme se coloca como parte disso. Gosto como o filme trata da influência de uma questão política macro numa situação menor, a da família. A fotografia tem momentos bem interessantes e, claro, a Fernanda Torres tá voando. Dito isso, acho muito esquisito como o filme dá uma ensaboada na questão política, passa uma Q-Boa na luta do personagem do Rubens Paiva e mesmo da Eunice de certa forma. Quase como se eles fossem de esquerda por acaso assim, como se isso não tivesse nada a ver com o que tá sendo contado. Uma crítica no Letterboxd me fez pensar nisso, sobre como é um filme de um bando de rico branco vivendo à beira-mar, e ainda faz questão de mostrar um militar que “não concorda” com o que tão fazendo com eles. Eu já tinha sentido uma vibe Fora Temer-core na saída do filme, um cheirinho de “seremos a oposição mais afrontosa que esse país já viu”. Sem contar que a edição é meio confusa, tem uma cena bem no início do filme que sugere uma elipse de tempo que não existe, e no geral parece largar cedo demais certos momentos mais efetivamente dramáticos. O que pode querer transparecer uma elegância na forma de filmar parece mais uma vontade de não querer sujar as mãos e é nessa insipidez que mora o maior problema do filme.