Em mais um da série “Chegando Atrasado”: Ran, do Akira Kurosawa mostra o quanto ele era um pintor da imagem de cinema. Os enquadramentos sempre rendondíssimos, o posicionamento dos atores no ponto. Tudo tem uma teatralidade - mas uma teatralidade cinematográfica de alguma forma, porque ele nunca deixa que seja só teatro pelo teatro. Tudo é pensado de forma a fazer sentido com a imagem em movimento, mesmo com a câmera parada. Me parece que isso é a origem do estilo do Kurosawa, coisa que ele foi afinando ao longo de anos e anos de experiência. É quase uma explosão de cores também, os contrastes sempre no ponto. Inclusive vale citar a maquiagem do personagem principal, que parece um boneco de porcelana - e eu falo isso como um elogio. Os olhos dele saltam do rosto desde a cena inicial, onde ele caça um javali, e continuam expressivos ao longo do filme mesmo com a deterioração do personagem.
Bom, por ser baseado em Rei Lear, não consegui não traçar paralelos com Succession e também não consegui não lembrar dessa música quando cogitei ver.
Eu sou um cara muito benevolente e magnânimo: sempre ouço os pedidos incessantes da plateia. Quero dizer, no caso, duas pessoas me sugeriram pautas pra newsletter.
O leitor Roberto Althoff, via Instagram, me pediu pra comentar essa cena, um plano-sequência de pancadaria do Changeman. E pô, a coreografia pode não ser aquela coisa, mas pros padrões de um tokusatsu dos anos 80 voltado pro público infantil? Valendaço, tá? E é legal o uso do espaço, claramente foi um negócio que visitaram antes e pensaram “e se a gente colocar a câmera aqui pelo meio desses espacinhos” e isso é algo que tenho a impressão que rolava (e deve rolar) muito nesses seriados. Os cenários, quando usados pra além da pedreira da Toei, tinham sempre seus momentos interessantes - e se pans isso entrou no imaginário de uma geração inteira. E agora, eu que tô no meio de um processo de filmagem de uma ficção, me identifico muito com isso tudo. Na verdade é até difícil não pensar no curta enquanto eu assisto qualquer coisa, o que é meio que um problema.
Já o broder Everton Fernandes pediu pra eu fazer especificamente um review de uma entrevista que o George Miller, diretor de Furiosa, deu pro Hideo Kojima, diretor de jogos como a série Metal Gear e Death Stranding. Eu gosto de ver o Miller falando sobre o trabalho dele, é sempre curioso pensar sobre como filmes como esses saem da cabeça de um senhor de oitenta anos (na verdade parece que muito tem a ver com a cultura de carro da Austrália, e no quanta gente ele viu morrer em acidentes lá. E também tem o input de várias outras pessoas num projeto dessa magnitude). O Kojima, claro, tá babando ovo pro Miller, mas esses amigos dele (o Miller, o Guillermo Del Toro, o Geoff Keighley, o Norman Reedus, etc) me parecem um pouco condescendentes demais com ele, parece um meninão em que eles ficam passando a mão na cabeça e dizendo “bom garoto”. Mas sei lá, tô só galvãobuenizando a situação, tentando inferir o que se passa na cabeça deles. De qualquer forma é interessante ver um diretor de jogos ganhar alguma proeminência como autor/artista ““““““sério”””””””. Não que precise dessa validação né, aquela coisa. Bom, deixa o garoto brincar.
agora chega de sugestões, tão achando que isso aqui é o quê
o álbum novo do Antônio Neves tá bem sambão, ao contrário do outro dele que puxava pra um lance mais instrumental e jazz. Alto clima
E essa que caiu no meu Descobertas da Semana, uma moça brasileira que atende sob a alcunha de samIrc e que faz meio que um “post-emo”???? Uma parada um tanto melancólica que às vezes passa por uns momentos mais pesados, bastante coisa de instrumental e com umas misturas bem interessantes… achei bem bolado, fiquei curioso pra ver o que ela fará a seguir.
[trecho engraçado da newsletter] humor!!!!!
Assim na Terra Como Embaixo da Terra, da Ana Paula Maia, é uma novela escrita de uma forma tão árida quanto a própria situação que retrata. Uma colônia penal que antigamente era uma fazenda cheia de escravos e que acaba se tornando um reflexo direto da violência secular e que parece que não vai ter fim. Parece que a morte é o único destino de todos os envolvidos: um punhado de presos e dois agentes carcerários, todos eles apresentados sob o signo da violência e possivelmente presos pra sempre na colônia. A trama e a narração são rápidas, secas, tudo parece muito direto. Acaba rápido também, e talvez tenha uma vibe de roteiro de cinema inadvertidamente assim. De qualquer forma, bem bom. Me fez lembrar que eu ainda não li Na Colônia Penal, do Kafka.