Não Sei Desenhar ꟸ137 - 31/05/24
tudo que você queria saber sobre Césio mas sempre teve vergonha de perguntar
Veja bem, eu não sou um cara muito dado a hot takes, não quero criar muita polêmica com ninguém por opiniões impopulares mas eu sou obrigado a dizer aqui e agora, sem nenhum traço de papa na língua: talvez a busca cega e incessante por lucros cada vez maiores venha a ser um problema sério.
Eu cheguei a essa conclusão acachapante e totalmente inesperada tendo uma epifania que essa sim é algo mais próximo de um hot take: a indústria do entretenimento como a conhecemos está entrando em colapso. Provavelmente não é um take tão hot assim (no máximo um warm take, um take cozy), é mais uma conclusão meio óbvia baseada nas coisas que tão rolando, mas recentemente uma série de notícias cada vez mais apocalípticas parecem que vão levar pro ragnarok da cultura pop, ou pelo menos de uma porção muito significativa dela. Talvez o soft power estadunidense vá à ruína por sua própria culpa.
Na indústria de videogames, demissões em massa cada vez maiores. Em 2024 já foi pro vinagre em 5 meses mais empregos do que todo o ano de 2023. Estúdios estão fechando a torto e a direito, inclusive estúdios que foram comprados por gigantes como a Microsoft - mesmo tendo lançado jogos de relativo sucesso de público e crítica. A Square Enix (que produz jogos da série Final Fantasy e etc) andou reclamando que os jogos não vendem o suficiente nem pra se pagar, mas ainda assim continuam cobrando valores exorbitantes nos jogos e falam em parar de criar jogos menores pra focar nos AAA (e mesmo AAAA, como já teve estúdio querendo inventar. O que quer que seja isso). Essas empresas todas, essas gigantescas, parecem achar que a saída é criar jogos AINDA MAIORES e mais complexos e que vão levar ainda mais tempo pra ficarem prontos pra usar isso como desculpa pra aumentar ainda mais os preços dos jogos (o preço padrão pra AAA hoje em dia é 70 dólares). Todo mundo quer seu GTA. Fazer jogos menores e mais baratos? Pra quê? Como a setinha do lucro vai subir no fim do ano?
Em Hollywood, é flop atrás de flop. A newsletter do jornalista Rodrigo Salem vem falando faz um tempo em como a indústria tem se batido pra conseguir números minimamente decentes - mas os caras não se ajudam. Dê-lhe lançar no streaming filmes um mês depois do lançamento nos cinemas pra ver se recupera alguma coisa de grana. Furiosa, filme ligado a um sucesso de crítica e público que teve um grande impacto na cultura pop (supostamente) foi um flop desastroso na primeira semana e não tem cara de que a coisa vai melhorar no futuro próximo. Outros filmes recentes como aquele O Dublê também vão mal. Tem sucessos? Claro, tem lá o Guerra Civil e tal. Mas não é o suficiente. Enquanto isso, o CEO da Warner-Discovery tá lá ganhando um bônus de 50 milhões de dólares e o filme da Batgirl e o da ACME seguem engavetados apesar de prontos por motivos de imposto.
Na música, tem gente da estirpe de Ludmilla e Ivete Sangalo tendo turnês canceladas por falta de engajamento prévio ($$$). Sem contar, é claro, na pulverização total das pequenas casas: não existe nada que lembre minimamente uma cena musical alternativa autoral no Brasil. Mesmo casas de pequeno porte parecem estar eternamente brigando pra existir, ninguém conhece direito as bandas porque tudo é nicho do nicho do nicho e ninguém vai nos shows porque não conhece e não conhece porque não vai no show e ninguém quer pagar ingresso pra ir no show porque tudo é caro. O C6 Fest tava aí custando o preço de um aparelho de TV. O Spotify paga uma mixaria pra geral.
O Algoritmo, claro, já domina uma série de decisões de negócios. A Netflix define quais filmes e séries (meramente conteúdos) produzir baseada no que o algoritmo diz pra eles que as pessoas querem. O algoritmo te diz o que tu acha que vai gostar nas redes sociais.
O prego no caixão da indústria do entretenimento me parece que vai ser a IA. Porque agora os caras vão enfiar goela abaixo essa porra, como se tudo que a gente quisesse fosse ter uma música ou um filme ou um jogo “criado exclusivamente pra você”, gerado por uma caralhada de computadores sem emoção e nenhum tipo de input humano, só porque vão gastar menos pra produzir… mas em compensação os lucros ó 📈. Enfim, o sonho molhado dos techbros.
E aí tudo que for criado por mãos humanas vai ser mais caro porque artesanal. E aí ninguém vai conseguir pagar. E aí a bolha estoura. E aí sei lá.
As indústrias todas estão brigando entre si pela nossa atenção e pelo nosso dinheiro, como se essas coisas fossem ilimitadas. A indústria do cinema briga com a Netflix que briga com o Xbox que briga com Instagram que briga com Twitter que briga com Youtube que briga com TikTok que briga com Amazon e tudo isso briga com a indústria do turismo que tem crescido cada vez mais depois da pandemia. E nenhuma dessas coisas fica mais barata. Quem tem grana pra tudo isso?
O lance é que o que a gente entende como essa indústria vai se transformar. De algum jeito, mesmo que soterrada sob o peso dos lucros cada vez mais ridiculamente exorbitantes. Ou do que quer que seja. É claro que tudo isso vai existir, sempre vai ter gente fazendo arte mas parece que um processo de mudança tá em curso. É que do jeito que tá, nada parece que vai se sustentar. E quem vai se foder são os artistas menores.
Mas pelo menos o bônus do Zaslav tá garantido.
(as imagens que adornam este texto são do documentário America 3000, sobre o que acontece com a indústria cultural depois disso tudo)
alguém já usou a alcunha Césio Salvaro pra se referir ao prefeito de Criciúma/SC?
Por falar em Furiosa: é a braba, não tem como. Achei talvez tão bom quando Fury Road, é muito legal ver a expansão do mundo em volta da Cidadela do filme anterior, conhecer as outras possibilidades do mundo pós-apocalíptico desse universo. A câmera do Miller parece que tá sempre se propelindo em direção a alguma coisa, sempre acelerando e quase batendo, o que me parece muito coerente com o tema. O ponto mais fraco me parece o Chris Hemsworth, que apesar de esforçado, meio que não entrega o que deveria. Mas é muito bom o passeio por aquele mundo, dá uma vontade mesmo de ver outras histórias se passando ali, vontade de conhecer mais daquilo.
O Complexo de Portnoy, do Phillip Roth: fui atrás do livro porque ouvi gente elogiando muito o Roth e pelo visto o homem merece mesmo. A narração dele me prendeu demais, as neuras cada vez mais absurdas do personagem sendo narradas com uma amarração impressionante me fizeram colar no livro. O Portnoy em questão, que é o cara que conta a história em primeira pessoa, é um judeu americano dos anos 60, um babacão extremamente problemático à beira de um colapso nervoso, e tudo é contado como se fosse sua sessão de terapia. No livro a gente conhece a vida dele, principalmente os traumas da infância, sua relação com o judaísmo e com sua família extremamente judia (e suas cobranças todas) e como isso impacta na sua relação com o sexo e tudo mais. Acho que tudo isso ajuda a deixar a leitura mais fluida, mas o entorno também vale: o humor funciona muito, as partes “dramáticas” acabam sendo sempre ridículas. E o final é foda.
Uma coisa que eu posso cravar sobre Hellblade 2 é que ele é, definitivamente, uma continuação de Hellblade. Eu sei que parece só mais um take bobo mas é muito isso, o jogo continua mecanicamente de onde o primeiro parou e fica só nisso. Não acrescenta nada, não expande muita coisa, e ainda repete várias ideias do primeiro. Tem um tipo de puzzle que é uma repetição de um tipo que se via no primeiro jogo e mais um novo tipo e… só. O combate é muito parecido, ainda que o ritmo me pareça mais difícil de pegar do que antes. Só que ele só vai até ali. Eu vou ser a primeira pessoa da fila a defender jogos curtos, mas esse aqui parece que acaba quando deveria estar na metade. É quase brusca a forma como ele termina, sem desenvolver uma série de ideias. O jogo original tinha lá suas 11 horas de duração, esse dura mais ou menos metade. Tive muito uma sensação de “opa, vamos ver no que isso vai dar” e não dá em nada.
O bom mesmo é a parte visual: a Unreal 5 é realmente impressionante. A captura de movimento e toda essa parte tá foda, isso não dá pra negar. Porém uma das ideias que parece mal desenvolvida é justamente a da história. No primeiro jogo, a Senua faz tudo sozinha. Aqui, ela convive e conversa com outras pessoas e tem esse lance de que ela precisa de outras pessoas para aprender a lidar com seus problemas e ajudar os outros também, o que é bem sagaz no que tange à questão das psicoses dela. Só que tudo ainda fica meio solto, esse jogo parece muito o primeiro capítulo de uma história que era pra ter continuado mas resolveram parar no meio. O outro jogo tinha um senso de progressão mais interessante, principalmente na narrativa e na forma de explorar as fases. Aqui parece que só desistiram no meio do caminho.
A Microsoft largou de mão a divulgação do jogo e agora sabe-se lá o que vai ser da Ninja Theory, o estúdio que produziu os Hellblades, agora que tá tudo nebuloso lá na terra do XBox. Mas de qualquer forma ele tá no Game Pass.