Ainda não terminei, mas Little Kitty Big City não tem como não ser o jogo do ano. Provavelmente de todos os anos. É um jogo em que tu é um gato, e faz coisas de gato, como miar, derrubar coisas, saltar para caçar, afagar pessoas e usar chapéus. Tu é um gato que caiu da janela enquanto dormia e precisa escalar de volta o prédio. Enquanto isso, vai fuçando pelo pequeno mundo aberto cheio de coisinhas pra fazer e aprender e missõezinhas simples pra completar e amigos pra fazer. É extremamente cozy, sem muita dificuldade no geral, e eu tenho a impressão de que tava precisando disso. A mecânica de pulo é meio esquisita mas vamo lá.
porém OLHA A CARA DESSE GATINHO
Tem no Game Pass mas saiu pra outras coisas.
A propósito, saiu um vídeo do Game Maker’s ToolKit em que ele lista 100 jogos que ensinaram game design pra ele de alguma forma
Aí eu fiquei pensando no quão vasto pode ser esse lance de game design, como a mídia parece estar frequentemente se expandindo de alguma forma, e também como as possibilidades de arte em geral (videogames inclusos) são extensas. Daria talvez pra fazer um “100 filmes que me ensinaram cinema” de algum jeito, porque mesmo cada filme pode ensinar alguma coisinha sobre a arte, sobre cada elemento presente no filme.
Muitos filmes provavelmente não vão ensinar nada, é claro, mas quando ele te ensina, pode ser algo pequeno e aparentemente fugaz mas que pode funcionar de alguma outra forma em outro momento, em outro filme, de outra forma. São diversos usos da mesma ferramenta - o conjunto de imagem em movimento + som - que podem, de formas mesmo que tortas ou não tão polidas em outros sentidos, nos ensinar algo sobre o fazer cinematográfico de alguma forma. Aliás, essa mesma falta de polidez pode ensinar algo também, cada obra tem a sua estética e não precisa seguir os ditames de um cânone ou de um método pra ser bom.
A propósito: Terra, do Alexandr Dovzhenko (ou, se preferir, Олександр Петрович Довженко), filme da Ucrânia soviética de 1930. É o famoso petardo. Muito foda como ele mistura a montagem eisensteiniana com algo mais narrativo e de menor escala, mais “realista”, porque aqui ele se propõe mais humanista de certa: ao contrário dos filmes-propaganda do Eisenstein e cia. ltda., aqui o retrato dos personagens é mais dúbio, eles são mais pessoas e menos símbolos. E isso rendeu críticas e censura ao filme, apesar de tudo.
São poucos planos abertos: Dovzhenko está mais interessado em detalhes, em expressões fortes no geral. A cena inicial é praticamente toda composta só de planos médios de pessoas em volta de um avô de uma família morrendo. Aos poucos, as imagens vão se abrindo, até as cenas finais onde se vê multidões. E tudo isso com uma precisão de enquadramento que deve muito à já citada teoria cinematográfica do Eisenstein.
É um filme muito sobre renovação, sobre ciclos de morte e vida: a imagem de um velho morrendo é seguida pelo de um bebê brincando, cenas de um funeral se misturam com a de um nascimento - ao mesmo tempo em que se misturam com o desespero de quem perdeu um ente querido com o de alguém que cometeu a morte com um padre exigindo que deus castigue aquele funeral que não conta com uma religião para seguir. Num espaço menos pessoal, há também a discussão sobre ciclos e renovação: a guerra sobre as ferramentas de trabalho, onde os ancinhos são substituídos por máquinas e quais as consequências disso para o povo trabalhador.
Mas apesar de tudo isso, o céu segue se impondo sobre todos, o chão segue gerando frutos e as imagens bucólicas e hipnóticas da chuva e da natureza como um todo permanecem.
Tem no Youtube, essa aqui abaixo é provavelmente a melhor cópia por aí, mas a versão que eu vi foi uma outra com trilha sonora mais antiga.
E pô, RIP Silvio Luiz, um dos maiorais da narração futebolística. Eu cresci de saco cheio do Galvão Bueno, porém muitas vezes eu assistia a jogos só porque era o Silvio Luiz narrando. A forma descontraída dele de narrar tinha uma inteligência por trás - o esquema de não ser óbvio e repetir o que o espectador já tá vendo, como a própria ideia de gritar “éééé” em vez de “gol” (por que é claro que era um gol que tava rolando). Até hoje eu tô pra achar no Youtube um trecho dele falando “METEU UMA BYCICLE” quando o Marcelinho Carioca puxou uma bicicleta em algum jogo do Corinthians.
Foi meio doido terminar de ter lido Os Supridores, do José Falero, em meio às enchentes do RS: o livro se passa numa Porto Alegre que se pans nem existe mais. É sobre dois amigos repositores de supermercado que moram em vilas periféricas da cidade e, pra mudar de vida, resolvem começar a vender maconha. O twist final explica de uma forma que eu não esperava a estética do livro: mistura com alguma frequência palavras rebuscadas com diálogos extremamente coloquiais e cheios de gírias, e uma narração por vezes “inocente” de certa forma, sem ser exatamente elegante de um jeito tradicional. Mas existe uma sagacidade por trás de tudo mesmo com a história simples e direta.