bem-vindos a mais uma edição da newsletter Não Sei Desenhar!
Quando eu li a dedicatória que a Clarice Lispector faz “a possíveis leitores” no início de A paixão segundo G.H., eu meio que entendi mas pensei só “beleza”. Quando terminei o livro, reli e a frase dela se tornou pra mim menos uma dedicatória e mais uma carta de intenções, por assim dizer. Ela pede que o livro seja lido por pessoas “de alma já formada” (desculpa Clarice mas eu li ainda assim), “aquelas que sabem que a aproximação, do que quer que seja, se faz gradualmente e penosamente - atravessando inclusive o oposto daquilo que vai se aproximar”. Isso por si só é uma definição possível do que é uma história, no sentido de que a gente enquanto leitor passa por uma jornada que pode ou não ser satisfatória mas que ao final vai, idealmente, sentir a aproximação de algo, de uma ideia, de sensações. É claro que o que eu tô fazendo também diminui a própria fala da Clarice mas esse é o problema de querer comentar um livro como esse ou a prosa dela como um todo: tudo vai parecer limitante. O que ela escreve é algo muito mais liberto de quaisquer amarras da linguagem e do que a gente entende por narrativa. Veja bem, o livro tem tipo 200 páginas e ao longo delas, acontecem tipo seis ou sete coisas. Tudo que acontece em volta é, na falta de uma definição melhor (afinal, como eu disse, tudo vai parecer limitante), fluxo de consciência da personagem G.H., elucubrações dela sobre o que ela é, o que ela não é, e o que ela deixa de ser. Essa é a aproximação de que a Clarice fala na dedicatória, meio que a personagem se autodescobrindo através de uma série de conexões entre ela e o mundo. Não é um livro fácil justamente devido a esse fluxo frequentemente abstrato de ideias, mas em parte até pelo que acontece na história - o pouco que acontece, acontece muito. Não vou entrar em detalhes mas envolve uma barata e aí é diversão a valer. Apesar de tudo, a Clarice bem que deixou avisado: a aproximação se faz gradualmente e penosamente.
e por falar em monstros:
Godzilla e Kong - O Novo Império tem um punhado deles. Vários. Muito mais do que eu esperava. E essa pra mim é a maior força do filme: por mim que fizessem um filme do Godzilla e do Kong e toda aquela turma de monstros interagindo entre si o filme inteiro, sem diálogo nenhum, e sem humano nenhum. As lutas estilo luta livre tão legais e claramente o pessoal tava se divertindo na produção, o design e as propostas visuais dele tem uma vibe de brincadeira de criança que eu acho agradável. O que são aquelas naves e a manopla senão grandes brinquedos? Mas acho um pouco pentelho que mais uma vez deram mais destaque pro Kong, só porque ele é um macaco e consequentemente mais RELACIONÁVEL com o espectador enquanto humano, então tem macaco pra caralho no filme. O Godzilla, por mais fofo que seja (ele até se enrola pra dormir na sua caminha, o Coliseu de Roma), parece que não tem o impacto e a importância que deveria. Talvez pro plot, só que o impacto não aparece a contento no filme. O nome dele aparece primeiro no título do filme pô, me ajuda aí.
muito orgulho da minha filha tocando o pianinho dela no Tiny Desk
inclusive, esse momento todo me fez pensar na Fiona Apple e como ela começou a fazer música na adolescência ainda e ainda lançou pedradas como Criminal e Sleep To Dream
e a minha filha concorda que precisamos dar valor a certas artistas que vieram antes: esse mês ela vai entrar em tour e quem vai abrir alguns dos shows vai ser o Breeders. (Pra quem não tá ligado: uma lenda do indie rock, capitaneada pela Kim Deal que era do Pixies, junto de sua irmã gêmea, que tem uma das melhores músicas dos anos 90 em sua discografia
além de outros clássicos como podemos notar
).
Afinal, Olivia Rodrigo é ROQUE
Sombras no Paraíso foi o primeiro do finlandês Aki Kaurismäki que eu vi mas parece que ali já dá pra sacar bem a estética dele. A vibe deadpan, aquelas pessoas que quase não tem expressão nenhuma, uma mistura entre Robert Bresson e certos momentos de Simpsons. É tudo muito simples e direto ao ponto. Histórias simples e pedestres, a forma como as relações de trabalho e dinheiro ligam as pessoas. Mas por mais “secos” que sejam os personagens, ainda há uma esperança e quando eles sorriem, é quase como se os sorrisos saltassem da tela mesmo que estando num plano aberto onde a rigor eles não tem destaque.
(não é o trailer per se mas tá valendo)
muito obrigado por prestigiarem mais uma edição da newsletter Não Sei Desenhar! Semana que vem tem mais