O que dizer de Os Sapatinhos Vermelhos, do duo Powell & Pressburger? Talvez tenha muito pouco. Acho que é apenas um dos motivos pelos quais o cinema foi inventado. A cena do balé. A CENA DO BALÉ GALERA. Simplesmente como é possível um negócio desses.
E essa restauração tá CROCANTE.
De fato eu tinha muito pouco a dizer mesmo
Terminei de ler Deus Foi Almoçar, do Ferréz. Nunca tinha lido nada dele e putz… como é um lance que parece que suga a tua energia junto com aqueles personagens. Acho que é um dos livros mais deprê que eu já li. A forma como ele narra tudo como se as coisas fossem se empilhando, uma desgraceira atrás da outra… apesar de momentos de poesia aqui e ali. Recomendo, mas esteja ciente.
E agora para a última rodada de comentários extremamente pertinentes e embasados sobre filmes do Oscar:
Ficção Americana: é divertido como ele brinca com a culpa branca e tal (e não deixa de ser irônico que ele seja o único filme dirigido por um negro concorrendo a Melhor Filme), mas o drama parece meio desencaixado e tudo é tão sem criatividade.
Zona de Interesse: forte o jeito como ele faz esse jogo de vários planos mostrando o campo de concentração frequentemente no fundo e tal, e como ele se apropria dessa estética toda corretinha. Sandra Hüller roubando da Toni Collette o posto de “atriz pra mães do momento”.
Vidas Passadas: não vi.
O Menino e a Garça: bom… Miyazaki né? É interessante como ele parece buscar várias coisas de outros filmes dele, vários elementos parecem ter saídos de Chihiro, Totoro, Castelo Animado, talvez de até de Castelo de Cagliostro, etc. As animações nos pequenos detalhes, mesmo nos planos mais parados, e o contraste delas nas cenas mais movimentadas também, os cenários… é curioso porque ele é um filme bem simples, e talvez dê pra dizer que é derivativo, mas ao mesmo tempo ele tem algo meio mágico, me atrai de um jeito que é difícil explicar. E tem sim muita cara de que é o último filme do homem.
Tendo dito tudo isso: eu acho que Oppenheimer ganha Melhor Filme mas se Barbie vencer não vai me surpreender também. Tem bem cara de que Barbie pode ganhar por conta do apelo popular e pelo fato de a Greta Gerwig não ter sido indicada a melhor diretora, não duvido que os votantes queiram compensar isso. Estivesse eu na academia? Votaria em O Menino e a Garça, mesmo que ele não esteja entre os indicados a Melhor Filme.
Eu já falei aqui como pra mim o Deafkids é a melhor banda em atuação no Brasil hoje, e ter visto um show deles em Floripa essa semana me lembrou disso com força. Mistura de metal com noise com eletrônico com batuque com, sei lá, jazz. A sincronia dos caras no palco me lembra sim uma banda de jazz. Esse vídeo que eu fiz no show comprova
No Instagram eu lancei umas fotos que eu fiz no show:
Alguns dias começam particularmente bagunçados.
Hoje, por exemplo, eu acordei sentindo fedor de fumaça. Um vizinho botou fogo em alguma coisa – folhas, entulhos. O tipo de coisa que acontece em cidade pequena e bairro afastado. No vizinho do outro lado, um magrelo corta a grama com uma máquina cujo barulho parece que rasga meu peito a trezentas facadas por minuto. E, pra completar, o meu vizinho da frente destroçou o continuum do espaço-tempo com uma parafusadeira. Foda quando isso acontece.
Pego uma caneca com café de amanhã e atravesso a rua, o sol das oito batendo direto na cara enquanto me aproximo da garagem do vizinho. O homem rotundo e confuso coça a cabeça semicalva e sorri sem jeito.
— Precisa de ajuda aí? — pergunto casualmente, apontando com a cabeça pro buraco negro de um metro cúbico de diâmetro que paira ao lado do Gol bola vermelho dele.
O vizinho dá de ombros.
— Rapaz — ele diz —, minha mulher vai me matar.
— Não vai ser fácil ajeitar isso aí. — Bebo um gole do café.
— Putz... e eu só reverti a polaridade da parafusadeira, nem foi nada de mais.
— É foda... que marca é a ferramenta?
— Nem sei, comprei pelo Ali. Tava na promoção.
— É, tem que ficar de olho.
No vizinho do outro lado, a fumaça é engolida pra dentro do fogo. Na garagem, o vizinho observa o buraco negro distorcer a luz ao seu redor com as mãos na cintura como quem analisa o capô aberto de um carro quebrado.
— Já pesquisou no Google pra ver se mais alguém teve esse problema?
— Já, não encontrei nada. — Ele suspira. — E tudo isso por causa de uma estante que eu queria pendurar.
No vizinho do outro lado, o fogo vai diminuindo até o ponto em que o vizinho cata do monte um galho em chamas e suga álcool dele para diminuir o fogo.
— Acho que o negócio é desreverter a polaridade da parafusadeira — diz o vizinho.
— Achei que já tivesse tentado.
— Eu tentei, cem anos atrás. Vou tentar de novo daqui a pouco, quando alguém me der essa ideia.
Um silêncio enfadado se impõe sobre nós enquanto não fazemos nada sobre o buraco negro.
— Quer um café? — ofereço.
— Eu aceito, obrigado. A minha cafeteira enferrujou duzentos anos em cinco minutos.
Vou até a minha casa buscar um café que ainda não foi feito e quando estou voltando com a xícara, vejo o carro da esposa do vizinho se aproximando em aceleração reversa – não dando ré. À medida em que se aproxima da garagem, ele vai e volta e vai e volta e vai e volta, como se uma criança gigante invisível estivesse brincando de carrinho de fricção. Em algum momento no futuro distante, o carro para e a mulher sai do carro cheia de sacolas de compras fora da validade.
— De novo o buraco negro, Emanuel?!
O vizinho só dá de ombros.
— Quantas vezes eu já te falei sobre tomar cuidado com essas coisas? Pelo amor de deus, eu tenho que fazer tudo nessa casa...
Ela entrega umas sacolas pro vizinho e ele entra com as batatas que vão descrescendo e as frutas que vão desamadurecendo. Eu bebo um gole de café.
— Já tentou desreverter a polaridade da parafusadeira?
— Ainda não, querida! Ótima ideia.
O vizinho volta correndo e desreverte a polaridade da parafusadeira. O buraco negro parece crescer mais um pouco.
— O que foi? — pergunto.
— Acho que acabou a pilha. — Ele bate com a parafusadeira na mão. — E se eu...
Então reverte a polaridade da parafusadeira de novo. Ele olha pra mim na hora com cara de quem diz “fiz cagada”. Novecentas outras linhas do tempo que vão e voltam são criadas dentro de dois segundos e todas as leis da física como a conhecemos são destruídas enquanto várias versões de mim mesmo de linhas do tempo paralelas se aproximam de mim e o vizinho volta a ser criança e a esposa dele chega toda esticada porque seu corpo está ocupando vários lugares em vários tempos ao mesmo tempo e outras sete milhões, quatrocentas e noventa e duas mil, trezentas e doze novas linhas do tempo que correm em todas as direções possíveis são criadas nos próximos quinze segundos.
— Emanuel, você usou a pilha do controle da TV pra parafusadeira, né?
— Putz! — Ele bate na própria testa. — Foi por isso então.
Eu bebo mais um gole de café.
Essa história do vizinho, me senti lendo Douglas Adams hahaha que demais :)
Ouvindo Deafkids e curtindo, valeu a dica!