É curioso como a internet acaba se tornando o refúgio de vários tipos de jornalismo muito específicos. O que talvez seja mais uma forma de dizer “tu encontra de tudo na internet”, mas eu penso em coisas nichadas como uma menina de um canal do Youtube encontrar as fitas perdidas do piloto da série americana de Sailor Moon dos anos 90 ou o caso do vídeo abaixo, em que o PandaMonium (do canal PandaMonium Reviews Every U.S. Saturn Game) analisa profundamente e contextualiza um documento interno da Sega americana de 1996. O documento foi descoberto tipo em julho desse ano e o cara que descobriu tacou ele escaneado no Internet Archive. É um documento interno da época em que a Sega tava se debatendo: o Mega Drive/Genesis já tava quase enterrado mas eles tentavam fazer ele viver, o 32X nasceu morto, e o Saturn não tinha a menor possibilidade de enfrentar o PlayStation. E o vídeo esmiúça isso tudo no documento, mostrando os números de vendas de consoles e jogos da Sega, e em algum ponto comparando com o PS em vários sentidos. Uma tonelada e meia de jogos ali citados nunca foram lançados (como o lendário Sonic X-Treme), outros até foram lançados mas ninguém deu a mínima. É tu ver o começo do fim da Sega, que tentou dar um passo maior que a perna enfrentando a Nintendo e sofreu as consequências em seguida quando a Sony chegou. Depois disso eles ainda lançariam o Dreamcast mas aí já não tinha mais o que se fazer.
vinil lindo da semana: Filth Is Eternal - Find Out
Aí que eu revi Akira, coisa que eu não fazia há uns bons 5 anos e: continua tão bom como sempre. Então eu entrei numas de fuçar por outras coisas do Katsuhiro Otomo que eu não conhecia (já falei em outra edição desta newsletter sore Roujin Z), e aí fui atrás de ver os curtas dele em algumas antologias e também o outro longa mais famoso dele, Steamboy.
Em todos eles existe uma certa metafísica da narrativa, um lance em que a história vai crescendo aos poucos até chegar numa catarse - porém a catarse maior só vem no final e a gente não a acompanha propriamente. Em Constrution Cancellation Order, o curta dele em Neo Tokyo (de 1987), o personagem principal briga pra tentar acabar com uma construção que foi dominada por um robô funcionando errado e ao final ele ruma pro centro de controle mas a gente nunca vê ele chegando. Em Combustible (2013, parte de Short Peace) o romance do casal nunca é consumado na nossa frente, é como se ficasse tudo pra uma História não-registrada. (E vale notar como ele se aproveita dos padrões visuais de pergaminhos de pinturas japonesas antigas, transformando eles em widescreen)
O final de Akira é isso: as crianças e Tetsuo indo pra não sei onde naquela luz branca, e em Steamboy é a história do Ray que é mostrada só em fotos durante os créditos. O final do mangá de Akira mostra uma reconstrução. É como se as histórias do Otomo fossem sempre pontos de partida pra algo maior - e ele sempre consegue gerar uma sensação de “crescendo”.
E ao mesmo tempo os personagens dele são sempre muito humanos. Ele meio que não perdoa ninguém, todo mundo é meio babaca em algum nível (exceto talvez pelo Ray, que é um herói mais clássico) e ao mesmo tempo todo mundo é uma marionete sob esquemas muito maiores. Sempre existe uma vontade maior agindo sobre os personagens, seja uma corporação, ou o governo, ou o exército, ou as gangues, ou o Akira. O Ray de Steamboy é jogado no meio de uma trama complexa demais pra ele e só lhe resta tentar fazer o que ele acha certo e agir do melhor jeito possível, mais ou menos como o Kaneda em Akira.
A grande diferença é que onde Akira se passa num mundo decadante e sem esperanças, Steamboy é uma aventurona épica clássica. Se passa na era vitoriana em um mundo retrofuturista steampunk e é bem mais solar e tradicional enquanto narrativa ainda que com personagens cheios de tons de cinza (meu HEADCANON é que Steamboy e Akira se passam no mesmo universo). E claro, aqui o Otomo mostra mais uma vez o quanto ele é um mestre das cenas de ação e do movimento, algo que ele conseguiu transpor de forma até hoje surpreendente do mangá pro filme de Akira. E mais uma vez temos uma Monstruosidade Apocalíptica Gerada Pela Sanha Humana Por Poder™ no ato final do filme. Steamboy infelizmente é meio esquecido mas ainda vale muito a pena: se fosse um filme americano dirigido pelo Robert Zemeckis seria tratado como um clássico.
Pra além dos filmes eu também li Domu, o mangá que ele lançou imediatamente antes de Akira e aqui o lance dos poderes paranormais aparece mais uma vez, ainda que mais especificamente numa chave de horror - uma das inspirações dele foi Carrie, A Estranha. Curiosamente, aqui o tema dos personagens serem marionetes de uma força maior não é subtexto: existe alguém controlando pessoas e fazendo-as se matar ou matar uns aos outros num condomínio residencial gigante. O Otomo constrói toda um aspecto de normalidade em volta dos personagens com superpoderes, tudo muito calcado num realismo que a própria arte dele já traz. A preocupação com a arquitetura do local e a presença constante de planos abertos torna o condomínio quase que um personagem em si.
O grosso do embate principal da história se passa debaixo dos narizes de todo mundo mas ninguém realmente chega ao fundo da questão: os policiais só chegam perto e as pessoas em volta estão mais interessadas em fofocas. Existe também um lance sobre a importância da família muito sutil também.
(Só pra fechar: quase existiu um filme de Domu que seria dirigido pelo David Lynch……………………………)
Dexmine é um remédio pra crises fortes de rinite. Contém maleato de dexclorferniramina e betametasona. Mas o melhor de tudo dele é que ele é um xarope. E um xarope clássico, oldschool: tem um saborzinho aparentemente de framboesa, bem docinho, rosinha, tudo muito amigável. Deu até vontade de ter outras crises de rinite no futuro só pra tomar ele. Pena que tem que ser só de 8 em 8 horas, eu acho que ele harmonizaria bem com um cookie de chocolate mais amargo ou coisa assim. É uma pena também que só se possa beber em shots de 10ml. Fica aí a sugestão pra indústria: xaropes que tenham só o sabor e nada da parte do remédio, que nem óculos de grau sem grau. Nota: 9/10.
Recentemente li o clássico Crime e Castigo do nosso amigo DOSTA (porque eu sou MUITO literato) e me empolguei com esse lance da literatura russa e fui ler O Nariz, do Gógol, aproveitando que tá liberado no Prime Reading. E é curioso notar a diferença entre os dois: Gógol é meio que ZOEIRA na linguagem enquanto o Dostoiévski tem um foco na emoção e na moralidade da coisa. Não que Crime e Castigo não tenha seus momentos mais leves, de vez em quando parece que rolam umas risadinhas, mas a escrita é muito mais propositalmente simples e direta. Já O Nariz é absurdo e muito mais cáustico, as coisas mal se resolvem direito, o narrador parece SE APARECER mais. No Dosta dá pra ver a origem do cinema hollywoodiano, se quiser. No Gógol de O Nariz daria pra ver... um Monty Python, talvez? Forçando um pouco. (A história de O Nariz é sobre um cara que perde o próprio nariz e como ele lida com isso no meio da burocracia da São Petesburgo do século XVII) Algo mais por aí. Não li outras coisas do Gógol ainda mas esse rapaz tem futuro.
(tô aceitando a versão física da Antofágica de presente, que ainda é ilustrada e tem prefácio e dois posfácios)
(Uma coisa sobre ter lido Crime e Castigo no Kindle: tem um trecho em que um personagem sonha que uma epidemia mata muita gente no mundo e ela começa na Ásia… aí claro que teve um monte de bobalhão que foi lá e destacou isso, afinal né. Esse lance de ver o destaque alheio no Kindle não é vantagem)