NO FIM DE SEMANA PASSADO eu viajei pra Minas Gerais e pro Rio De Janeiro e, embora tenha sido a trabalho, ainda consegui dar uma descansada e aproveitar bem o rolê. Belo Horizonte? Moraria. Queijo Canastra: aprovado. Os cafés: também. Sotaque mineiro: cremoso. Rio De Janeiro: não vi o suficiente pra opinar, mas pelo menos conheci o local em que gravaram o clipe de Beautiful, ainda que abarrotado de gente.
But I digress. O ponto é que eu consegui fazer umas fotos de rua e vou jogar algumas delas aqui. Segue o primeiro lote:
Qualquer semelhança da viagem com o conto dessa e das próximas semanas não é coincidência.
E o famigerado MONTERO, do nosso parça e Cavaleiro de Ouro Lil Nas X? Com certeza é um álbum que foi lançado. No geral achei legal, tem uns acertos maiores aqui e ali, e umas outras que não funcionam tanto. Mas o menino é bom.
Ainda sobre música: RIP Julz Sale do Delta 5, ótima banda da fase clássica do pós-punk inglês ali do final dos anos setenta, mais conhecida por Mind Your Own Business. E pô, bem numa época que eu voltei a ouvir uma outra banda da mesma cena, o Gang Of Four.
E por falar em rock inglês: dia 23 o lendário Screamadelica, do Primal Scream, fez 30 anos de idade.
“Brasileira pode ser a nova vice-presidente da DC Comics”.
Beleza.
- E quanto você quer pelo pacote completo?
A pergunta ficou ressoando na cabeça de Jurandir Fevereiro. Talvez não devesse ter aceitado a proposta. Tinha um pressentimento de que, em algum momento, iria dar merda. Não imaginava que literalmente, uma vez que no momento se encontrava no banheiro do restaurante Bené Da Flauta, em Ouro Preto, Minas Gerais.
Ele é um matador de aluguel. Ele não é um saqueador, um arqueólogo ou qualquer coisa assim do tipo. Mas naquele trabalho, ele estava sendo. Ele é um...
Tinha pedido um Menina do Sobrado, especialidade da casa que envolvia carne seca, creme de abóbora e arroz com alho. Não imaginava que seria intestinalmente atacado daquele jeito. Parou no restaurante depois de concluir satisfatoriamente o trabalho pro qual tinha sido contratado, a razão de sua viagem até a cidade.
Fora chamado no Zap pelo senhor Zedequias (Jurandir esqueceu do sobrenome dele, de tão surpreso que ficou com o nome “Zedequias”), que lhe explicou que chegou até ele porque todos os outros matadores de aluguel que queria estavam ocupados. O alvo seria um antigo desafeto do senhor Zedequias, que morava em Minas Gerais. Mas havia algo a mais: o senhor Zedequias queria que Jurandir lhe trouxesse a Cabeça de Tiradentes.
Após Joaquim José da Silva Xavier, também conhecido como Tiradentes, ter sido enforcado, ele foi esquartejado e os pedaços de seu corpo foram distribuídos nos locais onde ele costumava discursar. A cabeça, especificamente, fora salgada e tinha ficado exposta em praça pública na cidade de Ouro Preto. Porém ficou lá por apenas um dia. A cabeça foi subtraída e o paradeiro dela era um mistério até bem pouco tempo atrás. Senhor Zedequias tinha a informação quente de que quem estava mantendo a Cabeça era esse antigo desafeto.
- E o senhor quer tipo muito muito essa cabeça? – perguntou Jurandir durante a negociação.
- Eu preciso dela. – insistiu o senhor Zedequias com sua voz rouca e falha. - É uma relíquia raríssima da história brasileira e precisa estar nas mãos certas. Por favor, Jurandir. Me ajude a recuperá-la. Eu pago o dobro. A cabeça do meu inimigo e a Cabeça de Tiradentes.
- Na verdade esse não é o único motivo. – quem dizia isso a Jurandir um dia depois da conversa com o senhor Zedequias era Karina, a secretária do velho, que tinha sido mandada por ele para ajudar Jurandir e garantir que a missão fosse cumprida a contento. Ela baixou um pouco o volume da voz para que ninguém no avião a ouvisse: - dizem por aí que a Cabeça de Tiradentes dá forças extras a quem a mantém por perto. Não sei de onde vem isso. Mas dá pra entender, né? O senhor Zedequias é um homem de quase noventa anos, que vive numa cadeira de rodas. Só o que ele quer é um pouco da vitalidade dele de volta.
Jurandir concordou e olhou pela janela, mas o avião começou a fazer uma curva e Jurandir começou a ter vertigem. Desceram no aeroporto de Confins e de lá foram de táxi até Ouro Preto, numa estrada com mais curvas do que Jurandir esperava, o que lhe gerou alguma vertigem. Fizeram uma visita a um contato local, onde tomaram um café e pegaram armas e equipamentos afins para depois seguirem até o endereço do alvo.
A casa do alvo era pequena e se confundia com outras casas na região, todas muito antigas, de paredes eminentemente brancas com detalhes em azul e telhado laranja. Isso ia contra o preconceito de Jurandir, que achava que iria invadir uma mansão gigante e ultratecnológica.
Não havia mais ninguém na rua. O silêncio que até então pairava foi obstruído pelo chute que Jurandir deu na porta de madeira da casa do alvo, que contrariando as vontades de Jurandir, não se abriu. Deu mais um chute com seu coturno e aí sim conseguiu abrir um buraco nela, conseguindo depois destrancá-la por dentro. Empurrou a porta levemente com o ombro do sobretudo que usava por cima da camisa do Fluminense e foi entrando na casa de chão de madeira, empunhando dois revólveres como um personagem de filme do John Woo. Foi rastreando a sala com os revólveres, enquanto Karina lentamente entrava, também empunhando um revólver e agindo mais cautelosa que Jurandir.
Jurandir observou a sala de estar, a cozinha, tudo vazio. Karina tomou a frente e foi seguindo por um corredor à direita da entrada, na direção dos quartos. A luz da noite já não batia no corredor, mas aos poucos seus olhos foram se acostumando com a escuridão. Jurandir chegou no corredor enquanto ela lentamente abria uma porta com sua mão esquerda. A porta rangeu. Seu cérebro percebeu que era um quarto com a janela aberta, uma cama desarrumada e, mais à frente de seu rosto, um homem de uns sessenta anos apontando-lhe um revólver calibre .454.
Assustada, se jogou no chão antes do tiro vir e tentou atirar no homem, em seguida saiu pelo corredor. Jurandir tomou a frente e caminhou na direção do homem, atirando sem critério nenhum várias vezes seguidas. Parou de atirar quando chegou perto da porta e foi meter a mão armada quarto adentro, vagarosamente, tentando ameaçar seu inimigo. Foi quando um tiro passou de raspão no seu braço e o fez cair e derrubar a arma no chão. Numa tentativa de se mostrar muito ágil, se levantou muito rápido e ficou com vertigem: na mesma velocidade que levantou, caiu. Seus olhos se fecharam contra sua vontade, enquanto ele ouviu mais tiros e passos batendo no chão oco.
Acordou dentro do quarto, apoiado numa parede. Mal recobrou a consciência quando percebeu que estava ao lado de um alçapão aberto e que a cama tinha sido movida pra dar lugar a ele. Do outro lado do quarto, o homem (que, Jurandir conferiu na foto que o senhor Zedequias enviou, era o alvo) estava jogado sobre uma piscina de sangue com o peito esburacado. Jurandir ouviu um barulho agudo de pedra se arrastando vindo do alçapão e desceu ali pra ver. Encontrou Karina empurrando um tipo de porta muito grossa dentro de um corredor de no máximo dois metros de altura e três de largura, iluminado apenas por uma lanterna no chão. Cavalheiro como só ele, tratou de ajudar Karina a empurrar a porta mas só fingiu, quem fez força mesmo foi ela. Quando abriu a porta toda, Jurandir ainda passou a mão na testa e fez um “ufa”. Olhou para onde dava aquela porta.
Deu de cara com um tipo de escultura cuja base era feita de pedra e tinha detalhes em bronze. Como um trono, à frente tinha dois braços retangulares e um assento pequeno. Em cima desse assento, jazia uma caixa cúbica de madeira com ornamentos dourados. Karina pegou a caixa e a abriu.
- É a Cabeça? – perguntou Jurandir.
Karina começou a gargalhar dizendo que sim.
Foi dali que foram para o Bené Da Flauta comemorar e recuperar as energias, e onde Jurandir pediu o Menina Do Sobrado e onde ele teve que usar o banheiro da casa por quase vinte minutos. Foi ali onde ele subiu as escadas à frente do banheiro, onde seguiu até a mesa onde haviam jantado, e foi especificamente ali onde não encontrou mais nem Karina e nem a Cabeça de Tiradentes. Olhou em volta e suspirou.
CONTINUA...