Alô Brasil
Muita gente durante a Pandemia™ começou um podcast, começou a fazer lives ou começou uma newsletter. Eu e amigos chegamos a gravar dois pilotos de podcast, meu canal da Twitch segue apenas na ideia porém eu achei que precisava começar uma newsletter.
Empolgado por um curso da Aline Valek e no mesmo dia em que minha namorada cria um projeto pessoal em forma de perfil no Instagram (SIGAM LÁ @IRISMEEXPLICA), eu começo a escrever isso aqui tentando criar o hábito de escrever. Meio que já passou da hora.
Eu consegui criar o hábito de ler todo dia de manhã, não deve ser difícil escrever também, né.
Né?
Bom. A ideia aqui é desovar quaisquer ideias de projetos que eu possa vir a ter, dropar alguns pensamentos que eu tive sobre coisas que eu assisti/li/joguei/comi/bebi, mas principalmente pra soltar algo de ficção, seja em que formato for (tô planejando inclusive lançar uma novela. Tipo, da mesma maneira que a Globo lança um capítulo por dia. Vai vendo).
RECOMENDAÇÃO pra quem mora em Criciúma/SC: Gulosão Dog. Eles tem um papo pseudo-Hambrientto tipo “não retiramos ingredientes pra não desarmonizar os sabores” mas funciona justamente por isso: ele tem menos ingredientes, não fica tão MAÇAROQUENTO. Tem queijo e supostamente maionese defumada.
RECOMENDAÇÃO pra quem não mora em Criciúma/SC: tem outros lugar
Música de hoje: Shabba Ranks – Ting-A-Ling.mp3, ainda numa vibe jamaicana desde o falecimento do Lee “Scratch” Perry (inclusive vale ler o texto que o GG Albuquerque fez sobre ele na Folha).
Pra provar que vai ter ficção aqui, segue um conto de qualidade duvidosa que eu cometi ano passado e tava engavetado. Ninguém mandou você se inscrever aqui, agora aguenta:
01DWD
O ano é 2166 Depois de Cristo. As luzes dos outdoors flutuantes tornam dia a noite na rua mais movimentada da cidade. Ao longo dos prédios de centenas de andares, os outdoors animados passam trailers dos filmes e séries do momento: o remake de Vingadores, a nova série dirigida pelo filho do Steven Spielberg (que é uma continuação de A Lista de Schindler), uma nova prequel de Stranger Things, a nova temporada de Os Simpsons, o remake de Armageddon, o canal de Youtube Plus da Minnie Mouse. De dentro da sala número 38 do Cine 20th Century Fox, Oswaldo sai pensativo e ligeiramente insatisfeito com o filme que acabou de ver numa tela de 70 metros de largura.
Caralho, que foda! Puta merda. - empolga-se seu amigo. - Que final foi esse?
Foi um final. - diz Oswaldo.
Porra, não curtiu? Foi ANIMAL, CARA.
Foi bom… mas assim…
Assim o quÊ seu filho da puta
… tô pensando ainda. Acho que tô ligeiramente insatisfeito.
Ah mano vai se fuder, serião.
Enquanto discutem, eles seguem andando pela rua e pegam o metrô Aladdin, com destino à Estação Pequena Sereia, pra depois fazerem a baldeação e chegar na Estação Mulan. Dali, eles andam duas quadras pra chegar n’A Cantina, um bar de esquina onde os garçons se vestem de alienígenas e onde ocorrem semanalmente disputas de quem atira primeiro no Han Solo. A discussão segue acalorada enquanto eles sentam numa mesa e escolhem o que pedir.
Eu acho que tu não gostou porque tu tá triste, Oswaldera.
Como assim, meu Pateta? Eu tô de boa, só não achei o filme aquelas coisas.
Ôôô meu Zé Carioca! - o amigo envolve Oswaldo em braço só. - O teu pai foi levado pro Cofre, tu deve tá com saudade. Sem problema. A gente revê o filme semana que vem e tu vai ver como é bom.
O Cofre é um local pra onde as pessoas que causem mal à sociedade são levadas. Elas vão pra lá e só voltam depois de muito tempo, assim que seu valor à sociedade é restabelecido. Parentes ou amigos próximos que queiram rever seus entes queridos que estão no Cofre precisam pagar quantias em dinheiro para vê-los livres (ainda que nem sempre os presos sejam libertados. Ninguém sabe o que acontece com eles lá dentro de fato).
Não… não é bem por isso… putz, semana que vem eu não posso. Eu tenho prova em Ariel e tenho que estudar pro concurso até Jasmine.
Mas Jasmine é mês de férias! Porra!
Eu sei, eu sei. - Oswaldo para por um segundo e prefere não pensar muito naquilo. Muda de assunto:
Cê não acha esquisito demais o Anakin ser ressuscitado?
Silêncio. No bar inteiro.
Talvez seja importante salientar que Oswaldo e seus amigos acabaram de assistir à pré-estreia do novo filme de Star Wars, o episódio XXXIV: A Ameaça de Jar Jar Binks.
Cala a boca, bicho. - cochicha seu amigo. - Quase ninguém viu o filme ainda, porra.
Foi mal! - cochicha Oswaldo, ainda que em volume normal pra sua voz.
Se aparecer algum Donald, nós tamos fodidos.
Ninguém vai chamar os Donalds por isso.
Tu que pensa, seu animal.
Oswaldo teve a impressão de ter visto umas seis pessoas olhando pra ele desconfiadas e teclando no celular. Oswaldo então engole em seco.
Vamo vazar. - diz seu amigo. Oswaldo só concorda e segue o amigo pra fora do bar.
Na rua, os outdoors fazem propaganda de Star Wars: A Ameaça de Jar Jar Binks e agora trazem avisos de “não dê spoilers”, “cuidado quando for comentar o filme na Ralphnet”, “não estrague a diversão de seus amigos, evite spoilers”. Eles correm pro metrô, indo em busca da Estação 101 Dálmatas, a mais próxima de onde Oswaldo mora. O trem está ali, prestes a sair. Os dois correm como nunca foram capazes de correr na vida. Só param quando conseguem se sentar num dos bancos do trem. As portas se fecham e o trem sai. Então podem se sentir aliviados, ainda que ofegantes. Eles sorriem um pro outro.
Que loucura. - diz seu amigo. - Mas agora tá tudo certo.
Oswaldo assente. Quando ele estava prestes a levantar novamente (e em voz baixa) uma outra questão sobre o filme, as luzes do trem se apagam. Não como se eles estivessem passando por um túnel. Eles nem saíram da estação propriamente. O trem para. Uma das portas se abre e Oswaldo vê um laser vermelho no pescoço de seu amigo. Antes que pudesse falar algo, uma seta com a cabeça do Mickey numa das pontas atinge onde a bolinha do laser marcava. Seu amigo desmaia.
Das duas portas do trem, entram quase uma dezena de pessoas vestidas com roupas pretas e pesadas, coletes à prova de balas, luvas, botas de couro e capacetes. Capacetes estes que têm presos em seus lados dois círculos que lembram duas orelhas de camundongo estilizadas.
Os lasers todos agora apontam para Oswaldo. Ele levanta as mãos, suando em desespero.
Não se mexa. - diz uma das pessoas. Todas elas têm, nas costas, um logotipo que mostra o desenho de um castelo e um semicírculo em volta dele. - Você está sendo levado pro Cofre.
Oswaldo apenas concorda, imóvel. Ele então é puxado do banco de forma truculenta do trem por duas das pessoas e é levado para um grande carro preto.
Do carro preto, Oswaldo é levado para um prédio verde e antigo, com uma arquitetura totalmente quadrada, brutalista, como se fosse uma caixa gigante enfiada na terra. Ali, ele é levado para um laboratório, onde passa por uma série de exames cerebrais. Tem a impressão de ouvir os cientistas do laboratório falarem algo como “ele tem algumas ideias que a gente pode aproveitar”. Dali ele é levado para uma outra sala e é colocado num aparelho metálico de dois metros de altura, formado por vários cubos. Eles o deitam e enfiam sua cabeça no aparelho cúbico. Lasers passam por sua cabeça e ele sente fortes dores nos olhos e na cabeça como um todo. As dores vão aumentando cada vez mais mas Oswaldo não parece capaz de externalizar o que sente. Ele sente mas não consegue gritar. Aos poucos, até a própria sensação vai embora e resta ele apenas a informação da dor. Oswaldo então é tirado dali, posto numa cadeira de rodas e levado por uma enfermeira vestida de Bela até o que Oswaldo, se tivesse condições, identificaria como um tipo de galpão enorme. Não um galpão de fábrica, mas um galpão envolto de metal. Há cabos de metal por todos os lados e esses cabos de cinquenta centímetros de largura estão, de um lado, conectados a centenas de cabines-camas plásticas arredondadas e fechadas por portinholas de vidro transparentes que permitem ver quem está dormindo dentro delas. Nessas cabines há pessoas de todas as idades e todas elas estão com a cabeça presa num aparelho que os liga ao cabo. Oswaldo é posto dentro de uma dessas cabines. A Bela enfia uma agulha na cabeça de Oswaldo e o liga ao aparelho e ao cabo, depois fecha hermeticamente a cabine. Todos os cabos das cabines estão conectados, em sua outra ponta, a uma outra cabine. Essa cabine guarda também o corpo de uma pessoa.
Os cientistas aprovam Oswaldo, finalmente. Está tudo certo para começar o processo.
Todas as cabines são acionadas. Não só as do prédio em que Oswaldo está. Todos os outros prédios, iguais a esse, ao redor do mundo, acionam suas cabines. Toda a energia que sai das cabines vai para a cabine principal. Toda a informação. Todos os sentimentos. As personalidades. As alegrias, as tristezas, as experiências. As histórias.
A cabine principal se acende. Cientistas no mundo inteiro, em todos os Cofres, aguardam pelo resultado. Os estudos não podiam errar. Anos e anos e anos depois de inúmeros experimentos escusos. Duzentos anos de espera.
O momento chegou. Deu certo. Tudo como planejado. A alegria é geral.
O dia seria 15 de dezembro. O ano é 2166 Depois de Cristo.
A cabine principal brilha. Uma porta dupla se abre acima dela. A cabine principal está acoplada a um corpo robótico de forma humanóide de vinte metros de altura. E o corpo fica de pé. O homem dentro da cabine abre os olhos. Seu corpo está exatamente como ele pediu para deixarem. O terno cinza intacto. Os cabelos grisalhos penteados para trás formando um ligeiro topete. A testa larga. O bigode simpático. O sorriso alegre e reconfortante porém vagamente cínico. A primeira coisa que ele vê, ao abrir os olhos, é um castelo gigante com um semicírculo em volta.
O dia agora é oficialmente 1 de Jasmine. O ano é 01 Depois de Walt Disney.
Por hoje é só, pessoal!
att.
Danilo Doc Lee
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